Sussurros de independência

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O silêncio era denso e estridente. Todo fim de semana tinha esse tom melancólico de uma casa vazia, quase fria. Comigo mesma, me convencia que isso era o que eu queria — quietude, ordem. Apenas eu e meu espaço. Mas, quando o silêncio era absoluto, essa era a paz que queria? O único consolo vinha de acompanhar a carreira de Liam, mas até as notícias sobre ele tinham se tornado escassas. E na última corrida, uma vitória previsível para Verstappen; Liam em segundo, mais uma vez. Conto as voltas de uma vitória dele, mas o que resta é apenas essa espera.

Do lado de cá, acompanhava de longe, em paz com o combinado. A mídia, aos poucos, soltava o foco em Liam. E com isso, as mensagens de Carlos também rarearam. Às vezes eu desejava que fossem definitivas, mas, nas últimas semanas, havia sido mais difícil ignorar esse espaço entre nós. Em duas semanas não trocamos nem um "oi". Brigas e discussões tornaram-se parte de cada contato que sobrava. A desordem era nosso padrão, e por mais que tentássemos mascarar o desgaste com palavras ou gestos de conveniência, era evidente — éramos muito diferentes, irreconciliáveis.

Mas, hoje, eu estava ali. Só eu, minha rotina calculada, implacável. Acordo às quatro da manhã, faço meu café e saio para correr até as sete. Trabalho, leio, almoço sozinha, e à tarde, treino, boxe, suar para esquecer, para manter a mente e o corpo em equilíbrio. Às nove da noite, já me perco no travesseiro, como se dormir fosse me purificar desse ciclo de conflito interno.

Naqueles dias, até Lando havia desaparecido das minhas notificações. Ele era uma presença constante, uma pequena insistência no meu dia, um toque leve de descontração, mas sumiu. Talvez eu devesse ter dado mais atenção a ele, responder ao menos uma vez; quem sabe ele ainda estaria por perto. É estranho como uma ausência pode doer mais do que uma presença constante, e como é fácil ignorar isso até que já se foi.

No Brasil, os dias se arrastavam, prolongados como um fim de tarde romântico e calorento. Há uma doçura estranha aqui. Esse lugar, o Rio de Janeiro, tem um ritmo que parece engolir todos os meus pensamentos e me enlaça. O tempo avança, mas tudo pode ser visto em cores quentes, como um sonho que tenta se manter agradável, mas com uma sombra no fundo.

E então, vejo as notícias. Outra vitória para Max, um terceiro lugar para Carlos. As vitórias de Liam são questão de tempo, eu sinto isso, mas a espera é inquietante.

A manhã começa sonolenta. O sol atravessa a janela e as folhas da grande árvore balançam na varanda, onde o vento matinal traz uma quietude, como se dissesse que o dia começaria assim, sem pressa. Visto minha roupa de treino, e Connor, já esperto, me observa, rolando no chão do parque como se estivesse comemorando alguma pequena vitória secreta. Pela primeira vez, decido levá-lo comigo para minha corrida da tarde.

O parque estava incomumente movimentado, o que deveria ser um momento de paz agora estava cheio de conversas que se misturavam, risadas que não eram minhas. As senhoras caminham em círculos, seus cabelos grisalhos iluminados pelo sol. Uma delas para e admira Connor, que logo se esconde ao ser chamado, seu instinto desconfiado tão parecido com o meu.

— Ele é uma gracinha, mas tímido, pelo visto, hein? — Ela comenta, dou um sorriso porém ela não parece me dar atenção.— Brasileira? — pergunta a senhora, me medindo com uma certa curiosidade.

— Sim. — sorrio.

Ela me olha com olhos frios. — Seu sotaque é engraçado, sabia? Um pouco exagerado... já pensou em fazer fono?

Sinto meu sorriso se transformar em uma linha fria. E antes que eu possa responder, sua amiga a puxa para longe, num aceno gentil que parece um pedido de desculpas silencioso.

E então volto à minha corrida, Connor ao meu lado, sua energia renovada com a liberdade daquele momento. Damos uma, duas voltas ao redor do parque. Na terceira, o telefone toca, me trazendo de volta ao mundo real. Atendo sem pensar, sabendo que provavelmente é Carlos, e meu tom não esconde a frieza.

— Fala.

— Não vai postar nada? Estou em terceiro. — sua voz soa mais autoritária do que orgulhosa. Como se cada palavra carregasse uma exigência.

— Três semanas sem falar comigo, e você quer que eu comemore seu terceiro lugar? — minha voz ecoa irônica.

— Terceiro lugar é uma derrota para você agora? — responde, sua voz carregada de um orgulho que me incomoda.

— Derrota. Quem se contenta com segundo ou terceiro lugar nunca será o primeiro. Você não fez mais que sua obrigação.

Ele suspira, tentando controlar o tom. — O que custa você postar? É só para manter o que foi combinado.

— Acho que isso já cumpriu seu papel. Liam está bem, estável. Não há mais necessidade disso. — e tento encerrar a conversa, mas ele insiste.

— Tá bom, mas vamos falar disso em Miami, depois de Shanghai. É o que melhor, afinal, nossos pais estarão lá, e Liam também.

Concordo com um "aham", curto. Ele desliga sem esperar outra palavra, e a desconexão parece mais definitiva do que qualquer despedida.

De volta ao apartamento, Connor se acomoda aos meus pés enquanto tento me concentrar em qualquer outra coisa, preparando a janta em uma tranquilidade forçada. Mas logo o celular vibra, incessante. Algo que já havia se tornado uma sombra em meu pensamento volta com força total. Abro o Instagram, e lá está. Uma repostagem minha da vitória de Carlos — mas não fui eu.

"Amor, as palavras não conseguem expressar o quanto estou feliz por você. Essa conquista é mais que merecida..." As palavras não são minhas, mas parecem cravadas como uma sentença. Não preciso pensar duas vezes. Pego o telefone e ligo.

— O que foi isso, Carlos? — minha voz é firme, mas por dentro eu sinto o tumulto crescendo.

— É o que deveria ser feito. Achei que saberia o mínimo sobre apoio. — Ele parece calmo, como se estivesse no controle.

— Nós realmente precisamos resolver isso, logo. Isso tudo é um desgaste sem sentido. — falo, com uma frieza que nunca usei antes.

— Vamos resolver. Em Miami. — ele responde, já sabendo que não havia mais o que dizer.

E o silêncio preenche o espaço quando ele desliga. Sozinha, encaro o teto.

At Hing Speed- Carlos SainzOnde histórias criam vida. Descubra agora