🍁CAPÍTULO 02🍁

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🍁Luiz

O som do chicote cortando o ar, seguido pelo impacto seco contra o chão, ecoava pelo alojamento, acordando a todos com brutalidade. Era assim que começavam os dias. Não havia um amanhecer calmo, não havia sons de pássaros ou de vento suave para nos despertar, apenas o estalar feroz que nos empurrava de volta à realidade da escravidão. Embora eu não fosse oficialmente um escravo, era assim que eu vivia. Quando o chicote atingia alguém próximo, ele deixava uma marca que doía em todos, mesmo que fosse uma punição destinada a outros.

Levantei-me depressa. Meu corpo, acostumado ao trabalho pesado, já sabia o que fazer. Não havia tempo para hesitações ou para sentir a rigidez dos músculos. Eu me movia com agilidade, como um animal selvagem que, mesmo domado, ainda mantinha algum vestígio de sua liberdade interior. Mas, naquela manhã, enquanto me arrumava, senti algo diferente. O olhar de um dos capatazes se fixou em mim, aquele olhar que eu tanto temia - lascivo, cheio de intenções que iam além da violência física do trabalho. Por um momento, senti minha pele arder de um jeito diferente, não pelo sol ou pelo cansaço, mas pelo peso daquele olhar.

Eu sempre tentava evitar aqueles olhares. A fazenda era um lugar onde o poder dos capatazes não conhecia limites, exceto um: os patrões, por alguma razão, haviam proibido qualquer contato sexual entre os capatazes e os escravos. Era um dos poucos mandamentos que os protegiam. Essa regra era a única coisa que me impedia de ser completamente destruído. Mas, ainda assim, a ameaça estava sempre presente, nos sorrisos dissimulados, nos toques que demoravam um pouco mais do que o necessário quando me empurravam em direção ao trabalho.

A caminho do canavial, fui tomado pelo ar quente da manhã. O céu era de um azul sem nuvens, mas para nós, trabalhadores, aquilo não era um sinal de beleza, era um presságio de mais um dia sufocante, onde o sol escaldante queimaria nossa pele e a cana de açúcar cortaria nossas mãos. Eu me juntei aos outros no campo, pegando a foice com mãos firmes, meu corpo já treinado pelo trabalho incessante. Aos dezesseis anos, eu era forte, com músculos esculpidos pelo esforço diário, mas ainda delicado, como se algo em mim resistisse a ser completamente endurecido pelo mundo.

Minha pele, outrora clara, agora tinha o bronzeado profundo do sol, uma cor dourada que só quem passa horas sob o céu aberto poderia ter. Meus cabelos negros caíam desordenados, e meus olhos, escuros e profundos, refletiam o contraste de uma juventude que deveria ser cheia de vida, mas que se perdia na rotina pesada do trabalho. Eu me via diferente de muitos ali, não por me considerar superior, mas por saber que havia algo em mim que ainda não havia sido destruído, algo que me fazia querer mais do que aquela vida de escravidão velada.

No campo, eu era rápido. A foice cortava as canas de açúcar com precisão e agilidade. Meus músculos, delineados pela repetição diária daquele movimento, faziam o trabalho parecer quase fácil. Mas, por dentro, havia uma chama de resistência queimando. Era uma dor silenciosa que se acumulava dia após dia, a cada corte de cana, a cada chicote que eu via sendo usado em outros. A ideia de ser livre era tudo o que me sustentava.

Aos dezesseis anos, aquele dia deveria ser uma celebração. Uma idade em que, para muitos, significava um passo rumo à vida adulta, a descoberta de quem você era e o que desejava. Mas para mim, era apenas mais um dia como outro qualquer. A liberdade parecia distante, uma promessa que o tempo ainda não havia cumprido. Eu estava preso, como os negros escravos ao meu redor, mesmo sendo livre no papel. A lei dizia que eu não era escravo, mas na prática, eu era tratado como um. Era uma verdade amarga que eu engolia todos os dias, e naquela manhã, ao cortar a cana, fiz uma promessa a mim mesmo: quando eu completasse dezoito anos, seria verdadeiramente livre.

Eu sabia que meus tios perderiam o controle sobre mim. A lei garantiria isso, e eu me tornaria um homem de verdade. Um homem livre, dono do próprio destino. Era essa promessa que me mantinha firme, que me fazia suportar os olhares e as humilhações. Quando chegasse o momento, eu me libertaria. Meus olhos, que tantas vezes tinham visto a miséria do trabalho forçado, se voltariam para um futuro que eu construiria com minhas próprias mãos.

VENDIDO AO ALFA [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora