🍁CAPÍTULO 11🍁

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🍁Luiz

A noite havia caído sobre a fazenda, trazendo consigo o peso da expectativa. O ar estava denso e abafado, quase sufocante, refletindo a tensão que preenchia cada canto da casa grande. O velho Antônio estava à beira da morte, e Alice, visivelmente esgotada, não saía de seu lado. O médico vinha diariamente, mas todos sabiam que não havia mais o que fazer. Antônio estava fraco demais, e o ataque implacável da gripe espanhola, que havia assolado tantas vidas, parecia ser o golpe final.

Eu preparava um chá para Alice. Sabia que ela não tinha comido ou dormido direito há dias, e o cansaço e a tristeza pesavam sobre ela. Enquanto a chaleira fervia, o silêncio da casa foi interrompido por um som distante, um ronco suave que se aproximava.

- Um carro? - perguntei a mim mesmo, intrigado.

Fui até a janela da cozinha e vi as luzes de um automóvel avançando lentamente pela estrada de terra que levava à fazenda. O brilho era forte e claro, iluminando o caminho escuro. Era um carro luxuoso, de um modelo que eu jamais tinha visto por aquelas bandas. Algo dizia que não era um visitante comum.

A chaleira apitou, e voltei para terminar o chá. Mas o som do motor ainda ecoava em meus ouvidos. Senti um aperto no peito, como se algo importante estivesse prestes a acontecer.

Quando o chá ficou pronto, coloquei-o cuidadosamente em uma bandeja e caminhei em direção ao quarto de Antônio. O corredor estava sombrio, e conforme me aproximava da porta, ouvi um som que gelou meu coração: o choro de Alice.

Parei por um momento, respirando fundo. Sabia o que aquilo significava. Antônio, o velho patriarca da família, tinha finalmente partido.

Abri a porta devagar e encontrei Alice curvada sobre o corpo inerte de seu pai, soluçando de forma descontrolada. Sua mão estava entrelaçada à dele, como se ainda pudesse trazê-lo de volta à vida com o calor de seu toque. O quarto estava envolto em uma quietude mortal, exceto pelo som do choro.

No entanto, o que realmente chamou minha atenção foi o homem que estava de pé ao lado da cama, em silêncio, segurando a outra mão de Antônio. Ele era alto e forte, sua presença preenchia o espaço de maneira quase intimidadora. Vestia um terno preto, impecavelmente cortado, e sua postura era rígida, quase militar. Não consegui ver seu rosto claramente no início, mas não precisei de mais pistas. Sabia, por instinto, que aquele era o filho distante. Ele havia finalmente voltado para a fazenda.

Por um breve momento, ninguém falou. O silêncio parecia um luto compartilhado entre todos nós.

Alice, com a voz trêmula e entrecortada pelas lágrimas, sussurrou:

- Ele... ele se foi, Luiz. Papai... - Sua voz falhou, e ela fechou os olhos com força, tentando conter a dor.

Eu não sabia o que dizer. Apenas me aproximei, colocando o chá sobre a mesa ao lado da cama, e fiquei parado, esperando que ela continuasse. Foi então que o homem que segurava a mão de Antônio finalmente falou.

- Ele me esperou. - Sua voz era profunda e grave, carregada de uma emoção contida que fez o ambiente vibrar.

Alice levantou o rosto, ainda com os olhos cheios de lágrimas, e o olhou como se estivesse vendo um fantasma. Seu irmão, o homem que havia desaparecido anos atrás, estava ali, de volta, no exato momento em que o pai deu seu último suspiro.

- Leonardo... - Alice murmurou, com a voz quebrada pela surpresa e pela tristeza.

Ele assentiu, ainda sem soltar a mão do pai morto. Seu olhar estava fixo em Antônio, mas sua expressão era indecifrável. Não havia o mesmo desespero ou dor que víamos em Alice. Era como se ele estivesse processando a morte de uma maneira diferente, talvez mais fria, mais distante.

- Eu cheguei tarde demais, mas... ele sabia que eu estava aqui - Leonardo disse, finalmente soltando a mão de Antônio e erguendo-se completamente, sua altura ainda mais impressionante sob a luz fraca do quarto. - Ele não iria partir antes de me ver.

- Você voltou... - Alice repetiu, como se ainda estivesse tentando entender a situação. Ela se levantou devagar, limpando as lágrimas do rosto, e deu um passo em direção a ele. - Por que... por que você não veio antes?

Leonardo permaneceu em silêncio por um momento, como se ponderasse a resposta. Então, finalmente falou:

- Tinha meus motivos. - Sua resposta foi direta, mas sem emoção. Havia uma dureza em sua voz, uma barreira que parecia impenetrável.

Alice olhou para ele com incredulidade, claramente machucada por sua frieza.

- Nossos pais precisaram de você, Leonardo! - ela exclamou, a dor em sua voz se transformando em raiva. - Mamãe... papai... eles se foram, e você... você nunca esteve aqui!

- E o que eu poderia ter feito, Alice? - Leonardo interrompeu, erguendo a voz pela primeira vez. - Eu tinha minha própria vida, minhas responsabilidades. Não sou mais o garoto que cresceu aqui.

- Mas você era o filho deles! - Alice gritou, agora com as lágrimas fluindo novamente. - E agora... agora é tarde demais.

O silêncio voltou a cair sobre o quarto. Leonardo não respondeu, e Alice simplesmente desabou em lágrimas, ajoelhando-se ao lado da cama do pai.

Eu permaneci quieto, observando aquela cena com o coração pesado. Não sabia o que fazer ou o que dizer. Tudo o que podia sentir era a gravidade da situação. Leonardo havia voltado, sim, mas as feridas que sua ausência havia deixado eram profundas.

Depois de alguns minutos, Leonardo se afastou da cama e olhou para mim pela primeira vez. Seus olhos eram frios, calculistas, como se já estivesse ponderando sobre os próximos passos.

- Leve minha irmã, criado - ele disse, com uma autoridade que me surpreendeu.

Assenti, sem dizer uma palavra. Sabia que aquela noite marcaria o início de uma nova fase na vida de todos nós, uma fase em que as decisões de Leonardo, o filho ausente, mudariam tudo.

Continua...

VENDIDO AO ALFA [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora