🍁Luiz
Eu havia pegado no sono, exausto, caído sobre a palha seca como um corpo que cede ao cansaço. A noite, no entanto, não me trouxe o descanso que eu precisava. A febre, que antes já me consumia lentamente, começou a intensificar-se de forma brutal. No meio da escuridão abafada do alojamento, fui arrancado do sono por uma dor insuportável que parecia vir de dentro de mim, como se algo em meu corpo estivesse se despedaçando.
Acordei com o peito ofegante e um suor pegajoso cobrindo minha pele. Meu corpo estava em chamas, cada músculo tensionado ao limite. Senti uma dor aguda nos ossos, como se estivessem sendo forçados a se expandir, a crescer de forma desordenada. Meu coração batia forte, com uma intensidade que me deixava tonto, e meus membros tremiam, como se eu estivesse à beira de um colapso. Uma espécie de espasmo tomou conta das minhas pernas, e eu me contorci na palha suja, incapaz de segurar um gemido abafado de dor.
Meus pensamentos estavam embaralhados, como se a febre estivesse nublando minha mente. Olhei ao redor do alojamento e vi apenas vultos escuros, os corpos adormecidos dos outros trabalhadores amontoados no chão, suas respirações pesadas eram o único som que cortava o silêncio da madrugada. Cada segundo parecia um século, e a dor não dava trégua.
Tentei me levantar, mas minhas pernas falharam, o corpo não respondia. A dor se irradiava pelos meus braços e pernas, fazendo-os enrijecerem de forma involuntária, como se meus músculos estivessem esticando além do que podiam suportar. Gemi mais uma vez, sentindo o peso esmagador da febre me dominar. Minhas mãos apertaram a palha suja, tentando agarrar algo que pudesse me trazer de volta à realidade, mas tudo era em vão.
Eu estava à beira do delírio, com os sentidos todos confusos. Meus olhos queimavam ao tentar focar nas sombras ao redor, e o som das batidas do meu coração soava como um tambor constante e incansável nos meus ouvidos. Uma vertigem tomou conta de mim, como se o chão estivesse desmoronando sob meu corpo. Não sabia se estava acordado ou sonhando, se o que eu sentia era real ou apenas o produto da febre que corroía meu corpo.
O tempo parecia se arrastar. A madrugada parecia se estender por milênios enquanto eu me contorcia na dor, os músculos queimando, como se algo dentro de mim estivesse se alterando, se transformando. Era como se meu corpo estivesse se dilacerando por dentro, os ossos e tecidos sendo forçados a se adaptar a uma nova realidade. A sensação de crescimento - desordenado, doloroso e sem sentido - era avassaladora.
Aos poucos, o alojamento começou a se esvaziar. Ouvi o som abafado dos capatazes chamando os trabalhadores para mais um dia nos campos. As vozes roucas ecoavam à distância enquanto os outros começavam a se mover, deixando seus lugares na palha e caminhando em direção à saída. Eu não me movi. Não havia forças em mim para levantar, e a febre não dava sinais de cessar. Minhas pernas tremiam, meus braços doíam com o menor esforço, e a dor parecia corroer minha carne por dentro.
Senti o olhar de João sobre mim por um momento. Ele, com a expressão cansada, notou meu estado crítico, mas não disse nada. Apenas seguiu seu caminho. Ali, em silêncio, sabia que não havia o que fazer por mim. Eu estava à mercê da doença e da minha própria fraqueza.
O dia raiou, e os sons da fazenda começaram a preencher o ar. Os gritos dos capatazes, o barulho dos machados cortando a cana, o mugido distante do gado. Eu estava ali, sozinho, deitado sobre a palha, entregue à febre que agora tomava conta de cada parte do meu corpo. Tinha certeza de que a morte viria, que aquele era o meu fim. Não havia ninguém que pudesse me ajudar, ninguém que me estendesse a mão. Eu estava sozinho, como sempre estivera, à espera de um destino que parecia inevitável.
Fechei os olhos, sentindo a dor me consumir por completo.
Acordei aos poucos, sentindo a leveza do colchão de palha debaixo do meu corpo e um estranho silêncio ao meu redor. A dor que antes me consumia havia diminuído, mas ainda sentia um calor febril percorrendo minhas veias. Pisquei algumas vezes, tentando entender onde estava. Não era mais a senzala abafada e suja. O teto acima de mim era de madeira velha, e as paredes ao redor eram simples, mas sólidas, feitas de tijolos expostos. Eu estava em um quarto diferente, modesto, mas muito mais limpo do que o espaço apertado onde costumávamos dormir.
Foi então que ouvi as vozes. Fracas, mas o suficiente para fazer minha cabeça latejar.
- Ele está piorando, Maria. Não vai durar muito mais tempo - a voz grave do meu tio, Severino, cortou o ar com desprezo. Ele não parecia preocupado, muito pelo contrário. Sua fala tinha o peso de alguém que já havia aceitado um destino.
- Deixe-o morrer logo, então - respondeu minha tia, com a mesma frieza. - Esse garoto já nos deu trabalho demais. Não podemos continuar com isso, é um fardo.
Meus olhos mal podiam focar, mas percebi o movimento das silhuetas à minha esquerda. Meus tios estavam ao pé da cama, e o tom indiferente em suas vozes me encheu de raiva. Eles não estavam ali por mim, para ajudar. Estavam esperando que eu morresse, como se fosse a única solução conveniente para eles.
Severino suspirou profundamente, cruzando os braços enquanto olhava na minha direção, mas sem realmente me ver como pessoa. Ele falava de mim como se eu fosse um animal doente.
- Pelo menos ele não vai nos causar mais problemas. Quanto mais cedo partir, melhor - disse ele, batendo com o pé no chão. - Mas é uma pena, Maria... se tivéssemos esperado mais um pouco, talvez ele tivesse sido mais útil para os... bem, você sabe de quem estou falando.
Minha mente ainda estava turva, mas aquelas palavras me atingiram como um soco. "Útil para quem?" Eu me perguntava. Estavam falando de mim como se eu fosse uma peça em um jogo que eu não compreendia.
- Você acha que ainda há tempo para isso? - minha tia sussurrou. - Ele sempre teve essa natureza... submissa. Não é todo mundo que tem algo assim. Poderíamos ter tirado proveito disso antes, para aqueles patrões poderosos. Pessoas assim pagam muito por jovens como ele.
Meu corpo estremeceu ao ouvir aquelas palavras. Era como se, mesmo à beira da morte, eles estivessem tentando me vender, me transformar em algum tipo de mercadoria. A repulsa me dominou, mas minha febre alta me mantinha fraco demais para reagir.
- Não podemos mais nos dar ao luxo de esperar - Severino respondeu, com uma risada seca e amarga. - Ele já está quase indo, olha para ele! Mal consegue respirar direito. Se quisermos fazer alguma coisa, precisamos agir logo, ou será tarde demais.
Antes que pudessem continuar, houve um silêncio repentino. Um terceiro som, o de passos firmes, ecoou pelo quarto. Alguém havia entrado, e o ar no ambiente pareceu mudar imediatamente. O peso da conversa anterior dos meus tios foi substituído por um silêncio tenso.
- Quem é? - minha tia perguntou, a voz dela baixando imediatamente, como se reconhecesse a autoridade de quem estava ali.
Olhei para a porta, mas minha visão ainda estava turva, e tudo o que consegui distinguir foi a sombra de uma figura alta e imponente. A presença da pessoa era inegável, e tanto meu tio quanto minha tia ficaram completamente imóveis.
- O garoto... - a voz, profunda e séria, ecoou pelo quarto. - Como ele está?
Eu não conseguia entender o que estava acontecendo, mas havia algo de estranho naquela presença. O tom daquela pessoa não era de simples curiosidade, mas de uma espécie de controle, como se todos ali devessem responder a ela.
- Ele... ele está piorando, senhor - minha tia respondeu, submissa, diferente da sua postura anterior. - Achamos que não há mais muito tempo para ele. Já fizemos o que pudemos, mas...
- Fizeram o que puderam? - a voz cortou como uma lâmina, interrompendo-a. - Ou apenas esperaram para ver o que poderiam lucrar com sua morte?
Meu coração acelerou com aquelas palavras. A pessoa parecia saber o que meus tios estavam tramando, e a tensão no quarto ficou palpável. Mesmo sem poder ver seu rosto claramente, senti o peso do seu olhar sobre mim, avaliando minha condição.
- Senhor, não é isso... nós apenas... - Severino tentou se justificar, mas a pessoa levantou a mão, e ele imediatamente se calou.
- Deixe-o comigo. A partir de agora, ele é responsabilidade minha - declarou a voz com firmeza. - Vocês já não têm mais controle sobre ele. Não preciso de suas desculpas.
Os passos voltaram a ecoar pela sala, e então ouvi a porta se fechando atrás de meus tios. Eles saíram em silêncio, sem mais uma palavra. Senti uma onda de alívio, mas também de medo. Quem era essa pessoa? E o que ela queria de mim?
Fechei os olhos, tentando entender a situação. Eu ainda estava febril, mas algo me dizia que, por mais que meus tios quisessem me ver morto ou vendido, minha vida acabava de ser tirada das mãos deles - para cair nas mãos de alguém muito mais poderoso.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
VENDIDO AO ALFA [CONCLUÍDO]
FanficEm um Brasil escravocrata, onde a liberdade é um sonho distante, Luiz Fernando, um jovem órfão e marcado pela brutalidade da vida, descobre que seu destino foi selado sem sua permissão. Vendido como propriedade, ele agora pertence a Leonardo de Andr...