O comandante estava cercado por alguns dos seus guerreiros restantes. Todos os outros haviam caído, tombando em vão. Eles não tinham sequer arranhado os inimigos. O gosto amargo da derrota era sufocante, quase impossível de engolir.
— Acabou. Renda-se. Não quero ter que sujar meu corpo ainda mais. — Alec murmurou, a voz carregada de cansaço. Por trás de sua aparência firme, havia a sombra de um homem que já estava farto daquela carnificina.
— Isso... só acaba... quando eu aceitar. — O homem à sua frente ofegava, sua voz rouca e arrastada. — E eu ainda estou respirando. Não vou morrer... agora. — O sangue preto escorria pelo canto de sua boca, enquanto seus olhos, cansados e vazios, quase não conseguiam se manter abertos. Ele sabia. Sentia a morte caminhando ao seu encontro, lenta, mas certa, como uma sombra fria que não deixava espaço para esperança.
A carne do homem começou a apodrecer, descolando-se dos ossos e caindo em pedaços no chão, onde formava poças escuras e fétidas. Ao seu lado, seis guerreiros o acompanhavam, com os rostos desfigurados pelo desespero. Eles não eram heróis. Eram homens à beira do abismo, sustentados apenas pelo medo visceral de sucumbir. Seus olhos, arregalados e brilhando de terror, encaravam os elites dos espíritos. A cada segundo, o assobio fúnebre da morte parecia mais próximo, mais alto.
Mesmo assim, eles não recuaram. Com mãos trêmulas, ergueram suas adagas, a última barreira frágil entre eles e o fim inevitável. Sabiam que a luta era inútil, mas permaneceram de pé. Não pela glória. Não pela vitória. Apenas para adiar, por um instante a mais, o abraço final da morte que já se fazia sentir no ar.
— Dessista, não há para onde ir. Você vai morrer. Que pouca, pouca sorte. — Cilisa levantou a voz, firme, em posição de alerta.
— Você se acha uma mulher de sorte, não é, Cilisa? — retrucou o comandante, com ódio puro queimando em seu olhar. Sua voz estava carregada de um rancor que parecia ter crescido ao longo de toda uma vida.
— Seu coração vai parar, e vai ser num momento em que você nunca desejaria conhecer o amor. Alec vai te matar... e tirar de você o que tem de mais precioso. — Ele começou a rir, uma risada insana, desesperada, que ecoava como o canto de um condenado ansiando pelo fim. — Você é só uma menina desgraçada, Cilisa. Uma menina que cresceu no escuro, esperando um amor real, limpo. Mas nunca teve. Eu sei disso. Quem você chamou de mãe... nunca foi sua mãe. Nunca te deu amor de verdade. E lá no fundo, você sempre soube disso.
A risada dele se tornou quase histérica, o som de alguém que já não tinha mais nada a perder. — Alec vai te matar, e matar a sua...
Antes que pudesse terminar, Alec avançou sem piedade. Com a caveira gigante que invocara durante a batalha, esmagou o crânio do comandante, interrompendo suas palavras com um estalo grotesco e final. Sangue e restos escorreram pelo chão, enquanto o eco do impacto se misturava ao silêncio pesado da morte.
Os seis soldados restantes, observando a cena horrorizados, não hesitaram. Aterrorizados pelo que poderiam enfrentar a seguir, preferiram acabar com suas próprias vidas. Suas lâminas cortaram o ar e, num instante, seus corpos tombaram, transformando o campo de batalha num túmulo coletivo.
— Mamãe, posso ir acordar aquele cara ali? — perguntou Settimio, de apenas 11 anos. Seus olhos brilhavam com uma curiosidade quase inocente, em contraste com a brutalidade que o cercava. Ele olhou para a mãe, uma das mais formidáveis guerreiras.
— Quem é ele? — indagou a mulher, limpando uma mancha de sangue do rosto enquanto observava o menino.
— Não é da minha conta saber isso. E responder perguntas é um saco e meio. — Settimio revirou os olhos, impaciente.
— Credo. Às vezes nem parece que é meu filho, de tão preguiçoso que você é. Tanto faz, vá acordá-lo. — Respondeu a mãe, com um misto de irritação e afeto.
Settimio caminhou devagar, quase arrastando os pés, até o homem com quem tinham lutado minutos atrás. Seu passo era cauteloso, mas sua expressão estava carregada de um misto de curiosidade infantil e algo mais sombrio, como se, apesar da idade, ele já entendesse o peso daquela guerra.
— Aí, seu preguiçoso, acorda logo e passa a falar comigo! — gritou Settimio, impaciente, olhando para o soldado que permanecia desacordado no chão.
Quando o homem não se mexeu, Settimio revirou os olhos, agora com um misto de irritação e desgosto. Sem pensar duas vezes, deu um chute na cara do sujeito. O soldado despertou de imediato, pulando como se tivesse levado um choque.
— AAAAAHHHHHHHHHHHH! QUE DIABOS É ISSO?! — berrou ele, completamente desorientado. Seus olhos saltavam das órbitas enquanto girava a cabeça para todos os lados, tentando entender o que estava acontecendo. — MEU DEUS, TODO MUNDO MORREU! — continuou ele, em pânico, a voz ecoando como a de um desesperado à beira da loucura.
O soldado finalmente focou em Settimio, parado ali perto, com os braços cruzados e uma expressão de tédio absoluto. O garoto estava completamente coberto de um líquido preto, malcheiroso e viscoso.
O soldado ficou petrificado. — Como... como uma criança de 11 anos sobreviveu a uma guerra dessas? — murmurou ele, enquanto gotas de suor escorriam pelo rosto. Então, como se seu cérebro simplesmente não conseguisse processar aquela visão surreal, o homem soltou um grito histérico, ainda mais alto que o anterior, e caiu novamente no chão.
Desmaiado.
Settimio olhou para o homem estendido à sua frente, suspirou fundo e deu de ombros. — Ele é mesmo um inútil. — murmurou, com um tom que misturava impaciência e desprezo, antes de virar as costas e se afastar calmamente com as mãos no bolso e pés descalços.
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— Venceram. — murmurou o primeiro aluno de Mustaf, sentado no chão, com os dois dedos pressionados contra o diafragma, a voz calma, mas carregada de uma estranha certeza.
Ouvindo essas palavras, o presidente levantou-se em silêncio de sua cadeira. Cada movimento era lento, deliberado, como se lutasse para conter uma tempestade interna. Ele caminhou até o homem sentado no chão, seus sapatos ecoando no salão vazio. Parou diante dele e, com uma expressão pacífica no rosto, mas os olhos fervendo de raiva e ódio, agachou-se, colocando a mão no ombro do aluno. Apertou com força, os dedos tremendo, refletindo a fúria contida em seu interior.
— Como Alec ainda está vivo? Como?! — a voz dele saiu entre dentes cerrados, carregada de incredulidade e ódio. — Ele é só um moleque... um filho da puta. Enviei meus melhores homens, minha elite, e nenhum deles conseguiu sequer arranhar aquele desgraçado!
O presidente gritou, sua paciência finalmente rompendo como vidro. — QUE MERDA! — rugiu, erguendo a mão para desferir um golpe no homem sentado, que permanecia imóvel, parecendo um monge em meditação.
Mas antes que o golpe pudesse alcançá-lo, o homem abriu os olhos e levantou os dois dedos que pressionavam o diafragma. Sem esforço aparente, arremessou o presidente para longe como se fosse um boneco de trapos. O impacto foi brutal: o corpo do presidente colidiu contra a parede, e um som horrível ecoou no ambiente — o estalo de costelas fraturando. Ele caiu ao chão, ofegante e sangrando, segurando o lado do tórax enquanto tentava se erguer com dificuldade.
— Toca em mim de novo... e você morre. — A voz do aluno cortou o silêncio como uma lâmina, fria e letal. Pela primeira vez, ele abriu os olhos, encarando o presidente com um olhar que parecia atravessar a alma.
O presidente, vestido com seu terno mais caro, tremia de dor e humilhação enquanto se levantava do chão manchado de sangue.
— Não se preocupe. — continuou o homem, sua voz carregada de uma calma aterrorizante. — Desta vez, eu mesmo vou pessoalmente. Vou ninar minha querida filha... e o meu genro.
Aquelas palavras eram um aviso e uma sentença, e o presidente sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, incapaz de conter a sensação sufocante da derrota.
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Boneca Preta
RomanceImagine você crescer sabendo que pertences a um só homem. Que não pode tocar, pensar e nem olhar para um outro sem que haja consequências. Foi feito um ritual ancestral antigo, que te proíbe de apaixonar e de sentir atraída por alguém e caso você, d...