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Eu voltei para o quarto em silêncio, tentando entender por que ainda me deixava tão afetada por ela. Quando entrei, Gabriela estava no banheiro, e ouvi o som da água enquanto me aproximei da minha cama, sentindo o peso das minhas próprias emoções. A cama estava perfeitamente esticada, mas eu a ajeitei de novo, como se isso pudesse me ajudar a organizar o turbilhão dentro de mim.

Gabriela saiu do banho alguns minutos depois e parou ao me ver ali, de volta. Seus olhos me estudaram, como se estivesse surpresa por eu não ter saído, como se esperasse que eu já tivesse desistido.

Eu não disse nada. A saudade e a tristeza se misturaram de novo em meu peito, fortes como uma onda de maré cheia. E então, enquanto eu tentava focar em arrumar meu lençol, vi Gabriela pegar sua mochila, o que me fez erguer a cabeça e observá-la.

Ela caminhou em direção à porta, e eu não consegui me conter:

— Aonde você vai?

Gabriela me olhou, seus olhos carregados de uma compreensão silenciosa.

— Eu sei que esse... processo é difícil. — Ela hesitou, quase com cuidado. — E achei que seria melhor te dar um pouco de espaço hoje. Vou dormir no quarto da Carol, assim você fica sozinha para... refletir.

Senti a culpa crescer dentro de mim, como uma sombra que não conseguia ignorar. As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar muito.

— Não precisa, Gabriela. Não quero que você vá.

Ela respirou fundo, como se tomasse forças para o que queria dizer.

— Lena, eu errei. Eu sei disso e te peço desculpas. Mas vai ficar tudo bem. — Seus olhos deixaram transparecer uma pontada de dor. — Eu preciso que você veja a caixa que deixei para você, está na sua cama. Preciso que saiba o que tem ali... mas eu me sentiria envergonhada se ficasse para te observar enquanto você vê.

Parei e segui o olhar dela até a cama. Ali estava a tal caixa que eu nem havia notado ao entrar. A garganta apertou, e minha mente se encheu de perguntas, enquanto ela me dava um último olhar.

Antes que eu pudesse respondê-la, Gabriela saiu do quarto, deixando-me com um sentimento de angústia. A saudade dela parecia maior a cada passo que ela dava para longe. Fiquei ali, encarando a porta fechada, o peso da ausência dela se sobrepondo a tudo.

Eu me virei para a cama e olhei para a caixa.

Sentei-me na cama com a caixa em meu colo, o peito apertado como se estivesse encolhendo a cada segundo. Passei a mão pela tampa, sentindo a textura do papelão debaixo dos dedos, mas sem coragem de abrir. Uma ardência familiar começou no estômago, a mesma que vinha junto com as lembranças, e os olhos ficaram cheios de lágrimas. Tentei me segurar, mas o peso de tudo, da saudade, de tudo o que fomos e nunca pudemos ser, começou a transbordar.

Eu chorei. Em silêncio, tentando abafar o som, só querendo sentir os braços dela ao meu redor de novo, a segurança que ela me dava quando parecia que nada no mundo poderia dar certo.

Depois de um tempo, respirei fundo e decidi abrir a caixa. Lá dentro, uma coleção de envelopes soltos, cada um com uma aparência gasta e ao mesmo tempo guardada com cuidado. Peguei um deles, virando-o nas mãos. No verso, uma escrita que quase doía de tão íntima: "A (primeira) carta de amor."

Franzi o cenho, surpresa, enquanto as lágrimas continuavam a descer devagar. Ela escreveu para mim? Uma carta de amor? Nunca imaginei...

Abri o envelope com cuidado, como se qualquer movimento brusco pudesse apagar as palavras dentro dele. E então comecei a ler:

"Querida (parte rasgada da carta),

Espero que esta carta encontre você bem, envolta na tranquilidade e nos encantos de seu dia a dia. Enquanto escrevo, sinto uma mistura de emoções que há muito tempo não experimentava. Sinto que é o momento certo para colocar em palavras algo que tem ocupado um lugar especial em meu coração e mente. É sobre nós, sobre o que sinto e sobre como isso tem moldado a minha perspectiva de amor e de vida..."

Minhas mãos começaram a tremer, e o choro ficou mais forte. Ela tinha guardado isso... as palavras que nunca me disse, os sentimentos que, até agora, eu achava que nunca existira.

Revirando a caixa, cada carta me deixava ainda mais atordoada. Os títulos no verso eram como pequenas facadas no peito, cada um mais intenso que o anterior. "Dependente" parecia carregar o peso de cada momento de insegurança, de todos os desencontros que tivemos. Quando finalmente abri "Segura, amada e completa," o mundo pareceu se dissolver ao meu redor.

As palavras eram simples, mas cruas, e era como se Gabriela estivesse abrindo a alma, compartilhando o que sentia — coisas que nunca me permiti acreditar. Era como um espelho distorcido, onde eu podia ver uma realidade onde ela me amava, mas esse amor sempre se escondeu atrás dos muros que ela ergueu com medo de me perder.

Desabei. Solucei, sentindo que tudo o que estava guardado dentro de mim finalmente encontrava uma válvula de escape, mas também um vazio incontrolável. Tudo o que sempre quis ouvir estava ali, em palavras que ela nunca teve coragem de me dizer diretamente.

Peguei o telefone, os dedos trêmulos hesitando enquanto pensava em ligar para ela. Mas... desisti. Não sei se teria forças para lidar com isso com ela agora. Não sabia como reagir, o que sentir além do que já transbordava em mim. Eu precisava desse tempo sozinha.

Fui até o banheiro e lavei o rosto, tentando apagar o rastro do choro, mas as lágrimas não paravam. Um vazio tomava conta de mim, misturado com a náusea, a tontura de sentir tudo de uma vez só, como uma avalanche.

Apoiei-me na pia, respirando fundo, tentando conter o impulso de vomitar. A cada respiração, eu desejava que a dor fosse embora, que esse nó na garganta se desfizesse. Mas, ao mesmo tempo, era como se cada palavra que ela escrevia me prendesse ainda mais ao que fomos, ao que eu ainda esperava ser.

Uma ideia surgiu repentinamente, tão vívida que quase me fez tropeçar. Um misto de curiosidade e medo tomou conta de mim, trazendo uma vertigem que quase me fez desmoronar ali mesmo. Havia respostas que eu nunca obtive, perguntas que ficaram no ar e que agora, talvez, estivessem mais perto de serem respondidas.

Com uma pressa desordenada, voltei para a cama e comecei a revirar a caixa, derrubando as cartas e espalhando-as sobre a colcha. Cada uma tinha algo no verso, um título que parecia carregar um segredo, um pedaço do coração de Gabriela que eu nunca tinha visto. Minha mente pulsava em um frenesi; minhas mãos tremiam, meus olhos escaneavam ansiosos cada pedaço de papel.

Até que meus dedos pararam sobre um envelope.

"O dia em que te deixei partir."

Fiquei em choque, imóvel, sentindo meu coração acelerar de maneira insuportável. Era ali.

Se ela quiser, eu também queroOnde histórias criam vida. Descubra agora