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O dia da final olímpica chegou, e tudo em mim parecia à flor da pele. Meu coração estava acelerado, mas não apenas pelo jogo. Era Gabriela. Ainda não havíamos tido tempo de conversar, e a ausência dela no quarto só tornava minha mente um campo de batalha. A saudade, misturada com a ansiedade de não saber como as coisas estavam realmente entre nós, me consumia de uma forma quase sufocante.

Estava sentada no banco do vestiário, tentando me concentrar enquanto arrumava minha trança. Meus dedos se moviam automaticamente, mas minha mente estava longe, mergulhada em um redemoinho de pensamentos sobre Gabriela. A lembrança de Sheila ainda rondava minha cabeça, como um fantasma que eu não conseguia expulsar. E se ela voltasse? E se tudo aquilo acontecesse de novo? Meu medo era irracional, eu sabia, mas minha insegurança criava cenários que me paralisavam.

— Helena... — Rosa chamou, tirando-me do transe. Ela estava ao meu lado, já pronta, me observando com aquele olhar que parecia ler minha alma. — Você precisa resolver isso com a Gabi. Não dá pra continuar assim, sabe? Você está se torturando à toa.

Suspirei, sem conseguir encará-la.
— E se... e se tudo der errado de novo, Rosa? Eu não sei se consigo passar por isso outra vez.

Ela se ajoelhou ao meu lado, apoiando a mão no meu joelho.
— Helena, você não vai saber se não tentar. E olha, eu conheço a Gabi. Ela tá tão perdida sem você quanto você sem ela. Dá pra ver nos olhos dela toda vez que ela olha pra você.

— Mas e se a Sheila... — comecei, mas Rosa me interrompeu.

— Chega de Sheila. — Sua voz saiu firme, quase cortante. — Ela não importa mais. A Gabi escolheu você, Helena. O que mais você precisa pra acreditar nisso?

Respirei fundo, sentindo meus olhos arderem com lágrimas que eu não queria deixar cair.
— Eu só... eu não sei, Rosa. Estou com medo.

Ela sorriu, um sorriso pequeno e reconfortante.
— O medo é normal, mas você é a pessoa mais forte que eu conheço. Dá o primeiro passo. Vai até ela depois do jogo, ou sei lá, antes, se conseguir. Mas, pelo amor de Deus, não deixa isso te consumir assim.

Assenti, mesmo sem saber se conseguiria. Rosa se levantou e me deu um tapinha no ombro.
— Agora termina essa trança aí, que hoje é o dia de fazermos história. Você tá pronta pra isso, pelo menos?

Sorri, ainda que hesitante.
— Eu vou tentar.

Ela piscou para mim antes de sair, me deixando sozinha com meus pensamentos mais uma vez. Meus dedos voltaram ao trabalho na trança, mas agora com uma determinação nova se formando no fundo do meu coração. Talvez Rosa tivesse razão. Talvez fosse hora de parar de fugir e finalmente encarar tudo isso de frente.

Mas primeiro, eu precisava ganhar esse ouro.

Saímos do vestiário todas com aquela tensão no ar. O ginásio estava lotado, a torcida gritando o mais alto que podia, mas parecia que eu só conseguia ouvir meu próprio coração batendo. A final contra a Itália era mais do que apenas uma partida — era uma chance de reescrever nossa história e trazer o ouro para casa.

O som dos nossos tênis no piso ecoava enquanto caminhávamos até nosso lado da quadra. Zé Roberto estava na frente, segurando a prancheta como se fosse uma arma carregada de estratégias. Ele começou a falar assim que paramos.

— Meninas, ouçam bem! — Ele apontou para a quadra adversária. — Elas têm uma linha de ataque muito forte, principalmente com a Egonu. Não podemos deixar brechas na defesa. A nossa cobertura precisa ser impecável.

Todas assentimos, a tensão nos olhos de cada uma evidente. Zé continuou com mais algumas instruções, detalhando as movimentações, as marcações e os ajustes necessários. Quando terminou, deu um passo para trás, e foi então que Gabriela avançou.

Ela olhou para cada uma de nós com aquele brilho nos olhos que sempre me fazia acreditar que qualquer coisa era possível.
— Meninas, a gente trabalhou muito pra chegar até aqui. Cada treino, cada erro, cada acerto nos trouxe a este momento. Essa quadra é nossa. Essa vitória é nossa. E vamos buscar ela juntas.

As palavras dela eram cheias de força, mas foram os olhos dela que me desarmaram. Quando o olhar de Gabriela encontrou o meu, foi como se todo o barulho ao redor sumisse. Ela sorriu, aquele sorriso que sempre teve o poder de me desmontar, e naquele instante, toda a tensão no meu corpo foi substituída por uma sensação de calor. Me derreti, mesmo tentando manter a compostura.

Fomos todas para o centro da quadra para o hino. Era impossível não se arrepiar. Cantar o hino com a torcida ao fundo era algo indescritível. Do meu lado, Rosa cantava com os olhos fechados, e do outro, Paola Egonu, do time adversário, parecia concentrada como uma máquina.

Após o hino, os dois times se cumprimentaram. Apertei a mão de algumas jogadoras italianas, trocando olhares de respeito. Quando terminei, me afastei um pouco para o meu lugar inicial, mas meus olhos encontraram Gabriela de novo. Eu queria dizer algo, mas não havia espaço nem tempo para isso agora.

Respirei fundo, tentando focar. O árbitro apitou, e era hora de começar. Coloquei a mão nos joelhos, abaixei o tronco, pronta para qualquer coisa. Essa partida não seria fácil, mas uma coisa era certa: o Brasil estava mais vivo do que nunca, e eu faria tudo que estivesse ao meu alcance para sair dessa quadra com uma vitória.

Se ela quiser, eu também queroOnde histórias criam vida. Descubra agora