Capítulo 3

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Dulce María

Eu odeio admitir que Christopher tem talento.

E talento de sobra, o que me dói mais ainda.

Sua voz é indescritível de tão melódica e satisfatória de se ouvir. O timbre grave, mesmo em músicas mais agressivas, se sobressai naquelas que são mais calmas e lentas.

Poncho e Christian costumam se alternar para fazerem o backing vocal, mas não seria necessário. Apesar de amar esses garotos, odeio pensar que Christopher daria conta de fazer todo vocal sozinho.

Mas de que adianta tanto talento se ele é um sem noção dos infernos, não é mesmo?

Pouco adianta.

Na verdade, muito adianta. Que seja!

Ok, ele é talentoso, mas não vale um terço do que sua voz vale. Ou seja: tanto faz.

Não tenho muito o que fazer quando eles estão no palco. Checo as redes sociais, respondo alguns e-mails, faço reposts, dou ideia de artes ao editor para movimentar as páginas, respondo mensagens pessoais... não é como se eu tivesse muita vida além da Furia Azteca. Eles são quase literalmente tudo o que eu tenho.

Eles e Maite, minha melhor amiga, são tudo o que eu tenho.

Dulce María from WhatsApp: Ei, você está aí? Já ouvi a setlist desse show, tipo, umas dez vezes. Tô ficando enjoada. Vem me distrair, pf.

Dez minutos se passam e ela não me responde.

Bufo, bloqueando o celular, jogando-me
no sofá do camarim.

Maite deve estar fazendo alguma coisa útil. Ou dormindo. Não faço ideia de que horas são em Nova York. Se é que ela ainda está por lá.

É estranho chegar à conclusão de que sou uma pessoa solitária.

Em breve a turnê irá acabar e então os meninos estão de férias por uns três meses antes de se reunirem para começarem a ter ideias pro próximo disco. Christian volta para o seu lar amoroso, a fim de matar a saudade de seus pais e familiares; Poncho disse que pretende fazer uma road trip de três semanas pelos estados da Califórnia antes de ir para casa; Scott volta para Nova Jersey, onde sua esposa e duas filhas pequenas o esperam ansiosas; Christopher... não faço a menor ideia de para onde ele vai. Com quem fica.

Na verdade, não sei absolutamente nada
sobre ele que não envolva Furia Azteca ou os escândalos que ele se mete – já que eu quem precisa limpar o seu nome.

Não sei se ele tem família. Se tem pais que o amam ou odeiam, se tem amigos, se tem uma namorada/amante - que, se tiver, é a mulher mais corna que já conheci na vida, se tem filhos - o que não acho impossível.

Não faço a menor ideia. E não pretendo descobrir tão cedo.

No período de férias, costumo ficar com Maite. Ela é desprendida de coisas materiais; compra casas na mesma proporção que as vende para adquirir novas. Na última vez em que tirei uns meses livre, ficamos no Alasca. Eu amei cada segundo. Ela odiou, já que, segundo suas próprias palavras: “minha pele clama por Sol, Dulce. Sol! Não essa droga de neve.”.

Logo quando retornei ao meu trabalho, ela a vendeu depois de uns dois dias. É provável que eu vá para lá, a não ser que ela esteja com algum namorado novo. Não quero lhe atrapalhar. Se for o caso, vou para o meu apartamento em Detroit. Há tempos que não visito aquele lugar.

Cansada de não ter nada para fazer, caminho até a escrivaninha do camarim.

Sorrio ao ver que Christian pendura fotos polaroides das suas irmãs mais novas no espelho. Segundo ele, elas lhe dão sorte.

O SOM DO IMPROVÁVELOnde histórias criam vida. Descubra agora