Capítulo 2 - Notícias

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"Elisa!" Os olhos do menino percorriam a casa vazia a minha procura.

Voltei a mim rapidamente, as memórias me atormentavam, levantei-me do sofá e fui em direção a Gabriel, pra ele estar gritando devia ser algo importante.

"Sim" eu respondi tirando os olhos do chão e me direcionando a ele.

"Se lembra da primeira vez que conversamos?" ele questionou, fechando a porta e a trancando atrás dele, era como se a casa fosse dele também, nunca me importei.

Eu franzi a testa, onde ele queria chegar?

Assenti. "É, você não foi tão compreensivo comigo..." sorri, ao me lembrar de como tinha conhecido meu melhor amigo.

"Eu preciso de uma resposta sua agora" disse ele, pegando uns livros que estavam jogados no sofá e pondo na escrivaninha.

"Do que você está falando?" perguntei, realmente não fazendo ideia.

"Eu preciso que você me diga agora" ele repetiu frenético, olhando para os lados e me fazendo sentar com ele no sofá. "Se não, não vai ter sentido eu te chamar"

Mas o que?

"Bem...você...você acredita?" curto e direto ao ponto.

Me instiguei rapidamente, pensei que poderia ser qualquer assunto, menos esse, eu já tinha visto com meus próprios olhos, já tinha sido avisada milhões de vezes e depois de três anos pensando no que aconteceu, será que eu acreditava?

O fitei sem ação por alguns minutos e logo me vieram a mente algumas palavras de minha mãe.

"Filha, cada um tem sua concepção sobre tudo, eu te direcionei desde pequena e você sabe da verdade na qual eu acredito, e você? Você acredita?" eu nunca pude respondê-la.

Só relembrar essas palavras fizeram meus olhos se encherem de lágrimas, eu chorei, chorei de novo, e foi a quinta vez no dia. A diferença era que em todas as vezes que eu chorava, todas mesmo, eu estava sozinha no meu quarto, mas dessa vez alguém me olhava, triste por mim, e tentava me consolar. Recebi um abraço de Gabriel...como eu precisava de um abraço...

Há muito tempo eu não tinha um abraço reconfortante, da última vez pude sentir o perfume do meu pai e seus braços aconchegantes, me entrelaçando com sua ternura.

Gabriel era meu amigo, à ele eu posso dar esse título, talvez ele fosse o único que eu tive na vida, um de verdade, um que se preocupasse.

Eu o conheci depois que meus pais foram embora , quando o mundo virou de cabeça para baixo, ele era meu vizinho. À ele só havia restado o pai, Aroldo, mas os conflitos entre eles e a explosão de emoções que ele sentia o levou para um grupo ,o grupo que frequentamos agora, ele auxilia as pessoas que ficaram, nos dão uma direção, nos relembram do que está acontecendo e do que está por vir, nos preparam, nos alimentam, bem, nesses últimos dias o Q.I.C tem me ajudado muito, não só a mim como muitos outros jovens, adultos e idosos que foram tão teimosos ou ainda mais que eu.

Estávamos precisando de ajuda, ele sabia do grupo e eu estava perdida, logo quando ele tinha se mudado me convidou para ir até o grupo, disse que eu era o tipo de pessoa que precisava de ajuda, eu não gostei muito do jeito inicial dele e hesitei muito, mas acabei aceitando, eu estava perdida, precisava de algo no qual me segurar e Gabriel foi o poste perfeito.

Recebemos várias instruções e depois da reunião ter acabado, conversamos um pouco sobre nossas frustrações, nossos medos e no que poderíamos estar prestes a passar, logo viramos amigos, ele tem sido meu apoio nesses dias turbulentos.

"À essa altura você tem que saber Lis! Você já não viu o suficiente? Tudo está se cumprindo da forma exata como está escrito! Como você ainda duvida?" ele disse, afastando meu rosto de seu ombro e direcionando-o para seus olhos.

"Eu sei...eu sei...é que...eu...me sinto tão idiota!" doía dizer em voz alta.

"Eu sabia..." dizia, já com voz de choro, percebendo meu desespero Gabriel me acalmou.

"Todos fomos idiotas Lis! Ouvíamos de várias pessoas e agora estamos aqui, você tem que ficar calma..." Ele dizia me direcionando até o sofá de novo, eu não podia mais negar pra mim mesma, eu já tinha certeza, aquilo realmente estava acontecendo...E eu precisava aguentar firme.

"Eu acredito!" eu disse com os olhos inchados para ele, Gabriel tinha um jeito que me acalmava, seus olhos castanho-claros me transpassavam alegria, seus cachos divertidos me alegravam nos dias tristes, eu sabia que podia contar com ele, só não sabia como falar com meu segundo amigo...eu não tinha cara, não tinha direito.

"Agora sim!" ele dizia sorrindo. "Eu sei que você devia estar achando estranho a minha repentina pergunta, mas eu precisava saber" ele dizia já se levantando e pegando minha mão.

"Vamos! Eles disseram que está acontecendo algo importante agorinha mesmo no grupo, bem, não no grupo, mas na TV, seja o que for acho que não é boa notícia"

Desde quando a gente tinha boas notícias?

Levantamos, saímos de minha casa e descemos correndo até a última casa do bairro, era do Pr.Louis, nos reuníamos quase todos os dias no porão dele, era bem arrumado e comportava muito bem umas 50 pessoas, outros grupos estavam espalhados por aí, ajudando outras pessoas em outros lugares, mas os locais exatos eram confidenciais, a polícia estava bem rígida quanto a isso.

Quando entramos percebemos que todos estavam eufóricos, muito eufóricos, agitados, conversavam incessantemente, preocupados, até que o Pr.Louis começou a falar, ele foi até um lugar mais alto onde fazia as pregações palestras e proclamações.

Pigarreou chamando nossa atenção.

"Queridos, fizemos essa reunião de emergência porque mais uma das profecias está se cumprindo" ele disse sem mais delongas.

Todos os olhos atentos fitavam o pastor, a televisão foi ligada no noticiário e logo a repórter começou a falar.

"Dentre estes últimos tempos tem havido muitas suposições sobre o que teria acontecido com o mundo três anos atrás, várias pessoas sumiram sem qualquer tipo de explicação e nosso país, ou melhor, o mundo foi devastado, muitos grupos se formaram inventando suposições fictícias sobre o que poderia ter ocorrido à terra, uns dizem que foi uma obra extraterrestre, outros afirmam que é o apocalipse, dentre diversas outras suposições surreais. Bem, não temos informações concretas ainda sobre o que aconteceu, a ciência não tem explicações exatas para isso, mas nosso líder preparou nestes últimos anos atendimento para todos..." o pessoal nem sequer respirava prestando atenção nas palavras da repórter, uma das poucas que se propuseram a continuar no cargo depois de toda confusão.

Então era isso, eles iam falar dele...

"...Ele revolucionou o mundo, colocando ordem dentre as pessoas que perderam familiares próximos, arrumando o problema da falta de comida e nos dando apoio durante todo esse tempo, ele foi eleito nosso ditador há três anos e meio atrás, ganhando confiança de todo o povo, de todos os países do mundo para sermos exatos, mas agora, o soberano nos volta com algumas regras a mais, incluindo principalmente, a religião, que ele diz ter sido o estopim desse caos, parece que essa e outras novas leis serão reveladas à todos formalmente na semana que vem, em uma palestra do ditador, voltaremos com mais informações amanhã, Não perca! Ás 18:00 horas no Jornal da..."

Até o mundo jornalístico ficou abalado, a mulher que ditava toda essa conversa mal elaborada tinha uma expressão bem fria, ela parecia mais um robô enviando instruções.

E sim, eles o chamavam de soberano, estranho? Totalmente, mas ele tinha um poder de persuadir bem grande...

Eu não podia acreditar no que estava ouvindo, as coisas estão acontecendo mais depressa do que esperávamos.

O pastor nos olhava atentamente, todos gélidos e sem reação, parecíamos estátuas à procura de palavras que nos trouxessem de volta a vida, ele desligou a TV impedindo a repórter de continuar seu discurso, afinal, já tínhamos ouvido o que era importante, e firme proclamou:

"Os anos de paz acabaram, o anticristo já começou a trabalhar..."

I Segundo Para o Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora