Capítulo 44

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"Então...você é Elisa não é?" me perguntava Tânia,ali,de pé na minha frente,ela realmente era alta,e aqueles cachos,eram quase tão bonitos quanto os de Gabriel,se bem que os dele não eram tão enrolados assim...Eu sempre achei que os negros tinham uma beleza única,e olhando melhor,era mesmo,talvez Gabriel tenha perdido uma vez na vida em meus pensamentos,no quesito,beleza do couro cabeludo.

"Sim sou eu!" estendi a mão para cumprimentá-la,Amélia já conversava com outras meninas ao fundo do que podíamos comparar a um quarto,parecia que toda a raiva dela tinha ido embora em um instante,ela ficava bem mais calma quando rodeada só por meninas.

Os colchões estavam sozinhos no chão,sem estrutura,na verdade já achei grande coisa o fato deles terem conseguido aproximadamente 15 colchões,só para as meninas, também,era só isso,colchões e exatamente um travesseiro para cada,os cobertores,Tânia me disse,eram exclusividade de quem tinha sorte nas investigações à céu aberto,eu não tinha nenhum,mas o subterrâneo era bem mais quente do que o solo de noite,por isso não me preocupei muito,e recusei a oferta de Tânia,ao tentar me emprestar o dela,ela estava sendo bem gentil.

"Bem,acho que você não se lembra muito bem de todos os nomes que Félix falou,afinal ele é bem apressadinho,como vocês puderam ver" Tânia dizia,chamando as meninas para que fizessem uma espécie de roda com os colchões.

"É eu realmente não me lembro" disse um pouco envergonhada.

"Nem eu" disse Amélia. " Mas tive o prazer de conhecer mais duas meninas ao fundo" ela apontava para uma baixinha de cabelo escuro e uma mais alta de cabelo claro, parecia já se achar parte do grupo,ajudando com os colchões,e se sentando como todas as outras meninas em cada um deles,elas eram em 5 no total,deveriam ter mais uns 12 meninos,ao todo,17 refugiados,conosco,se tornaram 21.

Ocupamos dois dos colchões vazios,e Tânia continuou a falar.

"É uma tradição nossa,toda vez que chega gente nova,a gente perde algumas das poucas preciosas horas de sono para conhecer melhor umas as outras,e,bem,já que não é sempre que podemos fazer isso,é bom voltar aos velhos tempos..." isso me fez lembrar do que eles tinham dito,eram poucos os que entravam,tínhamos sorte de termos sido amigos de antigos refugiados,por mais que,pelo que eu visse,a estadia de Paulo e Catarina não tenha sido tão agradável a todos...

"Bem,eu posso começar Tânia?" disse uma das meninas.

Tânia assentiu,e assim começou nosso ciclo de descobertas,fiquei imaginando se os meninos estariam fazendo isso também com Louis e Gabriel,ou se estivessem no sétimo sono no momento.

"Meu nome é Carol" Ela era baixinha,tinha cabelos castanhos como a maioria delas,e olhos mais castanhos ainda,era morena com um toque indígena,e me transpassava ser uma pessoa confiável. "Eu tenho dezessete anos,e entrei para os refugiados a três,logo quando foi fundado" Era um grupo bem novo mesmo,uma nova classe social,como me disseram.

"Entrei por necessidade,assim como todas as que estão aqui,eu era órfã em minha vida normal,fui rejeitada por 2 famílias seguidas e depois das más experiências...fugi,vivi nas ruas por menos de dois meses,quando uma moça teve compaixão de mim e me levou até sua igreja,eles me tratavam como se fosse sua filha,até que...eu cresci,muitas pessoas me criticavam e até satirizavam a minha estadia constante na igreja,eu vivia lá,no quartinho de cima,e era totalmente dependente deles,um dia,cansei,fui embora,sem me importar com as consequências,comecei a trabalhar e soube de algumas pessoas que a moça que havia me tratado como filha,a qual eu considerava uma mãe..." ela parou um pouco,seus olhos começavam a fraquejar pelas lágrimas,mas ela não se deu o direito de derramar mais nenhuma pelo seu passado. "estava sofrendo muito por mim,mas eu não queria passar por tudo aquilo de novo,e vivi o resto da minha vida desde os quinze,a minha maneira,e olha no que deu..." olhei para Amélia,ela também não estava tão resistente a história,na verdade se compadecia da moça,juntamente comigo,nós dissemos a ela que sentíamos muito,mas ela continuou.

"Não sintam,sei que mereço o que passo agora,eu só espero que com a ajuda dessas garotas e até de vocês,que agora considero irmãs,eu possa terminar minha jornada em outro lugar..." Ela era crente de novo,pude perceber,ela sabia os preceitos,seguiu eles por um bom tempo mas a maldita língua das pessoas a fez desistir de tudo,achando que ela teria algo melhor fora de lá.

É como a bíblia dizia em Thiago: "Vejam como um grande bosque é incendiado por uma simples fagulha. Assim também, a língua é um fogo; é um mundo de iniquidade"

Ela passou a vez para a amiga,que logo começou a falar.

"Bem,eu sou Sara,tenho 20 anos,e entrei nos refugiados há mais de um ano,um deles me salvou quando um dos soldados do anticristo estava prestes a me chicotear..." Sara era de estatura mediana,tinha belos olhos claros,que eu não soube discernir de que cor eram no escurinho do quarto,seu cabelo era ondulado e castanho claro,mas tinha um ar totalmente natural,como se no dia inteiro,desde o levantar ao deitar ela fosse daquela maneira,na verdade,não me impressionei com a tentativa do militar,a cada dia estavam mais agressivos.

"Eu nunca fui para a igreja,nem minha família,eles também ficaram mas...foram mortos em um ataque anticristiano,tive sorte de não ter morrido,eu só tinha uma mãe,e um pai,filha única..." ela mais me apresentava dados do que sua própria história,ela já estava gélida com o ocorrido,parecia já conformada,afinal,o que ela faria? "Vejo todas como uma segunda família também...e eu quero sobreviver até que tudo isso acabe..." uma história não tão longa,nem por isso era fácil,perder os dois pais no mesmo dia e quase morrer a chibatadas em outros depois,não era uma situação que eu gostaria de ter vivido,apesar de que,no fundo,eu reconhecia que havia passado por piores.

"Meu nome é Keyla" ela deveria ser a mais jovem ali,eu daria no máximos uns quinze anos. "Tenho 21"

O que?!

"Mas muitos dizem que eu sou a fonte da juventude em pessoa..." todas rimos,era bom destruir o clima pesado das tristes histórias... "Sou irmã de Félix" ela falava em perna de índio.

"Nossa! É sério? Pensei que ele não tinha família" eu disse.

"É,ele é um dos únicos que tem família aqui..." me calei rapidamente. "Eu não gosto de tocar muito no meu passado,e Félix também nunca me falou muito sobre ele,o que posso dizer, e o que tenho certeza,é que meus pais morreram em um acidente quando eu tinha cinco anos,na época ele tinha sete,muito jovens,grande perda,blá, blá, blá,fomos acolhidos por uma família crente depois de passar dois anos no orfanato,nos desviamos ...e só,é basicamente isso" ela definitivamente não gostava de tocar no assunto...decidi não fazer isso por ela,não indagando mais nada,talvez Félix tivesse falado alguma coisa a Gabriel...mas o passado deles era o de menos no momento.

"Eu sou Joana..." ela tinha cabelos pretos e bem lisos,quase tão lisos quanto os de Amélia,quase,eram curtos acima do ombro,seus olhos combinavam com o cabelo,e sua pele era bem branquinha,parecia a branca de neve dos contos de criança misturado com uma alemã carrancuda. "Tenho 18 anos,e sou ex- soldado nacional, sai quando começaram com toda essa palhaçada de anticristo e marca,hoje tento sobreviver,só isso..." ela era mais fria que gelo,enquanto explicava da forma mais breve possível sua história afiava seu canivete,o barulhinho me enlouquecia,mas eu não disse nada.

Esperamos para ver se era só isso ou se ela teria um outro final para nos contar, nada.

Sorrimos e partimos para a última da lista,Tânia.

Basicamente,ela...bem, vamos dizer que ela dormiu "sem querer" enquanto as outras contavam as histórias.

"Ela sempre fez isso...nunca contou sua história..." disse Keyla.

"Mas...por que vocês nunca perguntaram?" Amélia disse.

"E você é louca de mexer com ela?! Ela é a líder das meninas,parece gentil na primeira vez,mas nos treinamentos...vish! se preparem..." disse Sara.

"Treinamentos?!" eu perguntei assustada,ninguém tinha dito nada sobre treinamentos.

"Relaxa,vocês vão saber de tudo amanhã" disse Sara se aconchegando para dormir.

Olhei para o lado e Amélia tinha acabado de despencar no sono,logo,como em um efeito dominó,todas estavam adormecidas,eu não recriminava ninguém,tinha sido um dia longo.

Só estava com medo de quão longo seria o próximo.



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