"Tem certeza que é seguro?" Amélia perguntava,bebendo as últimas duas gotas de água restantes na garrafa térmica que Paulo e Catarina nos deram,não tínhamos mais nada e esperávamos chegar no tal refúgio o mais rápido possível.
"Certeza? Claro que não...e temos opção?" Perguntei,olhando o suor no rosto dela, exercícios não eram bem nosso forte.
Louis parecia estar em outra galáxia,preocupado com as coisas da vida,e Gabriel,não tinha falado nada até o momento,apostaria tudo o que tinha ( no caso,as roupas do corpo e um pouco de cereal vencido que nos deram) que Gabriel ainda pensava em como Paulo sobreviveria de agora em diante,eles eram muito amigos,eu também me preocupava,mas no momento,estava mais preocupada ainda,com o que estava nos esperando naquela casinha.
Basicamente o grupo de refugiados era...bem,como o próprio nome já diz,é um tipo de refúgio (Ava!) ,todas as pessoas que até o momento não tinham sido pegas pelos anticristianos,se juntaram e formaram um grupo para continuarem ilesas,era um tipo de nova classe social que se ergueu em muito pouco tempo,se Paulo não tivesse me contado,eu com certeza ainda não saberia deles,e era isso que queriam,sigilo,por enquanto obtinham êxito nesse quesito,mas com certeza o anticristo já estava sabendo,e não ia deixar barato,no final das contas,ele sabia,que as próprias profecias fariam o resto do trabalho por ele.
O bom é que eles sabem se esconder,Catarina me disse que haviam muitos soldados que largaram o ofício depois de saberem das podridões e corrupções do novo governo,e acabaram sem aceitar a marca,outros simplesmente,por algum motivo,não quiseram aceitar serem tatuados com um 666,gente de rua até,e principalmente,crentes,como nós.
Era bem estranho,ir de encontro ao desconhecido,quem sabe o que fariam conosco?
Talvez fossem assassinos disfarçados ou caçadores de recompensa contratados pra matar gente como nós,disfarçados por um nome legal,admito.
Bem,como eu já disse,que escolha tínhamos?
O resto dos vinte minutos de caminhada foram em completo silêncio,de vez em quando eu dava uma olhada na ferida de Gabriel,para ver se tudo corria bem,até agora,tudo ótimo,o que me aliviava a seguir em frente.
Sabíamos que à meia noite em ponto, eles estariam lá,no ponto de encontro,o que me fez pensar: Se eles eram tão secretos assim,como os próprios soldados,como Paulo,sabiam de seu ponto de encontro?,novamente,sem respostas,talvez se eu tivesse a sorte de ser aceita (pois pelo visto a seleção para entrar era bem rígida) eles pudessem me explicar isso.
Olhei para frente,uma casa havia tomado forma.
Era bem velha,roída por traças,banhada por sujeira,tinha um ar rústico e simples,era toda feita de madeira,eu jurava que poderia ser confundida com uma cabana,só podia Ser ali.
Ainda faltavam quinze minutos para meia noite,eles eram pontuais,tínhamos que esperar,mesmo sendo arriscado ficar ao relento naquele horário.
Nos sentamos na parte de trás da casa,na tentativa de nos encobrirmos um pouco mais,não que funcionasse,mas ajudava no psicológico.
"Você está bem?" perguntei para Louis,sentado ao meu lado,ele ainda tinha um ar tão quieto,uma calma incompreensível, aquele olhar misterioso,por que pastores tinham que ser assim?
"Sim minha querida" ele pôs a mão dele sobre a minha,acalmando minha respiração. "Tenho certeza que Deus vai nos ajudar,mas seja como for,que Tudo seja pela Sua vontade" sempre as palavras certas...eu sabia que nem sempre Louis foi assim,além do que,ele tinha ficado,mas,em poucos anos,aprendeu ser um ótimo líder,sempre sabia o que fazer,só Deus poderia tê-lo ajudado tanto assim,eu me lembrava dos monges,tantos anos para tanta sabedoria,ele não,eu chutava uns incertos quarenta anos pra ele,e ainda sim,ele transmitia a alegria de um jovem,foi por tudo isso,que eu sempre acreditava em tudo aquilo que ele falava.
Sorri,e me virei para ver Amélia,novamente inquieta,tão arisca,na minha primeira impressão,ela parecia ser bem calma,até que ela fingia bem,um toque a faria virar um tigre asiático,tão rápido quanto um piscar de olhos,mas no fundo,era uma boa menina,só estava insegura depois de ter perdido a família,ela tinha um olhar um pouco triste,mas sempre recompensava com a alegria que ela tinha ao ler a bíblia...lembrei do meu livro amigo,não estava mais comigo,todos os meus pertences tinham ficado na casa de Jonas...nem consigo pronunciar bem o nome daquele idiota.
Enfim,eu sentia muita falta,de ler um pouco a palavra,mas olhando para Amélia,andando de um lado para o outro de novo,vi que ela não estava mais tão perdida,ela lia.
Sim ela lia.
"Como?!" perguntei,me levantando até ela.Ela me deu um sorriso malicioso. "Tenho mais truques do que você Teles...aprenda comigo..." era uma bíblia de bolso,toda douradinha nas folhas,tão linda.
Pedi para que ela me emprestasse depois que terminasse de ler,ela assentiu e continuou a leitura em Isaías.
"Ainda que o Eterno te ofereça o pão da adversidade e a água da aflição, o seu Mestre não tornará a esconder-se, sim, os teus olhos verão aquele que te instrui"
Tão bonito,pensei. Eu acreditava que ainda O veria.
Por fim,vi Gabriel,ainda pensativo,ainda perdido,tão...tão ele,eu sentia que podia confiar,que poderia confiar minha vida à ele,me sentei ao seu lado,faltavam só cinco minutos agora,o tempo passa tão rápido...e eu não soube aproveitá-lo...
"E aí,como você está?" perguntei,pondo minha mão sobre a dele,a que ainda era sã;
"Ferido" ele riu. "Mas inteiro graças À Deus..." sorri.
Eu ia falar algo sobre os refugiados,e de tudo que havia acontecido,mas parecia que ele queria fugir um pouco do assunto,e eu entendia completamente,estava cansada de só ter esse tipo de assunto pra falar,guerra,morte,choro,sobrevivência.
"Sabe..." ele passou a mão levemente sobre meu rosto,maquinando em sua cabeça algum de seus pensamentos incríveis,um dos que eu adorava ouvir.
"Se lembra do Salmo 23?"
Eu ri.Quem não se lembrava? Era o Salmo mais famoso da bíblia,apostaria um bom dinheiro que alguém,até mesmo não crente, saberia citar o primeiro versículo.
"Não ria..." ele disse rindo um pouco,que antítese não?
"É verdade...olhe,pense bem..." Gabriel dizia se ajeitando em uma posição mais confortável. "O Senhor é meu pastor,e nada me Faltará..." ele dizia,o versículo que eu bem conhecia,não entendia bem onde ele queria chegar com tudo aquilo.
"Você vê o nada no meio da frase?" assenti,sorrindo,ele era imprevisível. "Eu sempre interpretei errado este versículo...o meu nada era...que não ia me faltar dinheiro,casa,roupa,família,saúde,e isso me alegrava,pra caramba!" eu ri mais um pouco,e não era aquilo que significava?
"Mas não...não faltará também dor,choro,tristeza,perdas,provas...afinal,se não existissem as coisas ruins,que valor teriam as boas? Os momentos bons não seriam valorizados se não tivessem ruins,e...as provações...nos levam pra mais perto de Deus..." ele olhava para o céu,estava tão certo...eu nunca tinha pensado assim.
Olhei para os olhos dele,fazendo com que ele os voltasse para mim.
"E esse momento? Você acha bom? Quer dizer...acha que temos que valorizar algo assim?" perguntei meio inconformada com nossa situação.
"É claro que sim" ele respondeu. "estamos bem,estamos vivos,e eu...bem,eu estou com você..." eu sorri,feliz por aquele pequeno bom momento,com as melhores pessoas que eu poderia estar,cada qual com seu jeito de ver a vida,e eu via o resto da minha com todos eles.
Gabriel encostou seu nariz no meu,sorrindo,passando a mão pelos meus cabelos,arrepiando os pequenos pelos de meu pescoço.
Foi aí que ouvimos passos...eram eles.
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I Segundo Para o Fim do Mundo
AdventureA vida para uma adolescente normal num mundo normal,já é complicada,mas a vida de uma adolescente não tão normal num mundo pós-apocalíptico é pior ainda. Elisa perdeu seus pais no arrebatamento e está dividida sobre o que realmente teria acontecido...