Capítulo 20

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Eu acho que comecei a adormecer devagarzinho,até não ver mais nada,eu tinha sangrado muito e isso me deixou inconsciente,de novo.

Eu deveria ser chamada de "dama da inconsciência", era uma das coisas que eu sabia fazer melhor.

Aos poucos fui acordando,e vi uma grande agitação ao meu redor,pessoas gritando pra trazer mais curativos,e uma outra me tocando nas feridas,nossa como doía! Mas eu estava sem forças pra gritar naquele momento.

Que sorte eu tinha! Além de inconsciente, ferida,e sem voz.

Parecia um grande beco escuro,pois eu não via uma luz se quer,nem a pouquíssima que havia todos os dias (Sim,não era uma completa obscuridão),quando eles pararam de me tocar,eu senti uma mão na minha,e uma discussão perto do meu ouvido.

Aquele lugar me fez recordar de um momento que eu tinha passado na vida,há algum tempo atrás,aquela escuridão,era exatamente o que eu via...no dia do arrebatamento.

Me lembro como se fosse ontem.

Com todos os detalhes que meus olhos puderam ver,ou não.

Deus é muito perfeito mesmo,porque até naquele dia,ele preparou algo de uma maneira que eu não me lembrasse só dos momentos ruins.

Faziam meses que eu não falava direito com meus pais,eu estava no ápice da rebeldia,não queria falar com ninguém,porque eu achava que ninguém ia entender o que eu estava passando,guardava pra mim toda a raiva do dia e descontava na minha família, eu não queria ouvir, nem ser ouvida,tinha momentos que eu até bolava um planozinho pra poder fugir de casa,mas nunca deu certo,eu sempre achava algumas falhas,ou coisas que dariam errado,eu não tinha nem um pouco de maturidade,por mais que eu tivesse certeza que tivesse o suficiente para dar conta de mim mesma.

Mas mesmo depois de tantos meses ruins,aquele dia,o dia que me marcou tanto,tinha sido um dos melhores que eu havia passado com a minha família.

Tínhamos combinado de ir passear um pouco no parque público da cidade,e descansar um pouco,esquecer da vida.

Matt,como sempre,arrumou um jeito de não ficar parado nem um minuto,apostava corrida com ele mesmo,pedindo para que eu contasse em quantos segundos ele dava cada volta na quadra de futebol,me fazia bolar desafios para que ele cumprisse,jogava jogos de "o que eu estou vendo?" com toda minha família,isso tudo antes que chegássemos no parquinho,que era onde ele quase implorou para que fizéssemos o piquenique.

"Então filha,já pensou no que quer ser daqui há alguns anos?" minha mãe perguntava com um sanduíche de mortadela na boca,de repente senti uma saudade daquele sanduíche...

"Na verdade sim...eu sonho em ser psicóloga" falei sorrindo,estava de bom humor.

"Opa,opa pera lá!" meu pai tirou os olhos do livro que estava lendo e olhou para nós duas. "Quer dizer que finalmente eu vou ter uma psicóloga particular, para tratar das loucuras da sua mãe?" ele perguntou brincando.

Nós duas rimos e minha mãe esfregou maionese no nariz do meu pai.

"Agora é guerra ,é?" ele pegou o frasco de maionese e saiu correndo atrás dela.

Eu ri da situação e resolvi olhar Matt,pra ver se ele não tinha quebrado nenhum osso no balanço.

Na verdade ele estava muito bem, balançando bem alto,e eu pude ver o sorriso de orelha a orelha no rosto dele,se divertindo em um espaço livre,sem paredes para o trancar.

Eu sorri só de ver a cara dele,e pensei que,mesmo muitas vezes ele sendo chato,muitas mesmo,ele nunca deixou de me perdoar,eu o tratava mal muitas vezes,e,depois de alguns minutos,ele estava falando e brincando comigo novamente,teve algumas vezes,que eu até contei pra ele sobre o meu dia,as coisas ruins que eu tinha passado,e ele sempre tinha um conselho,e uma piadinha pra mim,e ele também,sempre que precisava,me procurava,eu era a primeira pessoa a quem ele contava o que estava passando e pedia opinião.

Eu amava muito ele,muito mesmo,só não dizia sempre,e esse foi meu erro,ele tinha que saber,tinha que ter certeza.

Eu estava me aproximando feliz,Matt estava brincando no balanço,minha mãe e meu pai estavam numa guerrinha de maionese...e eu estava feliz.

Até que tudo mudou.

Foi muito rápido,eu não me lembro nem de ter desviado os olhos de Matt,eu pisquei,só isso.

E eles já tinham ido.

Assim como uma boa parte das pessoas do parque,não muitas,mas algumas.

Eu fiquei desesperada e corri para o balanço onde meu irmão estava,e só encontrei as suas roupinhas,uma bermuda e uma camisa em que estava escrito "Meu grande herói,não é o Superman...é JESUS!".

Corri desesperada para o lugar onde era para meus pais estarem,mas eles não estavam lá também,só o pote de maionese,e as roupas que eles tinham vindo.

Lágrimas brotaram do meu rosto e eu comecei a chorar,nem tinha passado pela minha cabeça que eles tinham sido arrebatados,pelo contrário,eu não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo.

Pessoas estavam gritando,mães estavam desesperadas procurando pelos filhos e algumas até me perguntaram se eu tinha visto algum deles,mas eu não pude responder,eu estava paralisada,sem ação,eu não sabia o que fazer,além de chorar.

Pude também ouvir,na mesma hora,milhões de batidas de carro,e de longe vi que tinha um caminhão pegando fogo,e mais gritos.

Eu peguei as roupas de todos eles,e saí cambaleando para nenhum lugar.

Caí sobre minhas pernas e comecei a chorar,e chorar e chorar,eu gritei mil vezes pedindo que eles voltassem,depois enxuguei as lágrimas pensando que aquilo era só um sonho bobo e que eu devia voltar logo pra casa porque minha mãe logo me acordaria para o café da manhã.

Mas ela não estava lá no dia seguinte.

E nem depois.

Eu nunca mais ouvi meu irmãozinho brincando por aí,e ele nunca mais me abraçou também.

Meu pai nunca mais me deu conselhos,e eu nunca mais ouvi nenhuma piada dele.

Nunca mais.



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