No dia seguinte, Dulce despertou um pouco mais tarde do que de costume.
Banhou-se, colocou um vestido rosa escuro, e desceu para o café.
- Onde está meu marido, Adelaide? - Perguntou ao sentar na mesa.
A mulher lhe serviu um copo de suco.
- Creio que no Borboletário, madame.
Dulce assentiu, comendo uma uva.
- Depois irei falar com ele.
Quando terminou o café-da-manhã, a ruiva se levantou e foi lentamente em direção aos jardins.
Aspirou o ar da manhã com um sorriso, e andou até o Borboletário. Estava
destrancado.Entrou calmamente no recinto.
- Christopher?
Não houve resposta.
Dulce franziu o cenho e adentrou, procurando o marido com os olhos.
- Christopher?
Ela então o viu... sentado num pedaço de tronco de árvore , de frente para o quadro de Ilana. Ele observava fixamente a pintura, sem mover nenhum músculo do rosto.
Dulce tocou-lhe o ombro suavemente, e Christopher olhou para a mão branca e delicada dela. Depois ergueu os olhos para o rosto da esposa.
Dulce viu tanta tristeza e solidão nos olhos amendoados do homem, que seu peito apertou.
A ruiva se aproximou e se ajoelhou ao lado do marido. Ele voltou a olhar para o retrato da irmã.
- Eu estava aqui relembrando. - Ele murmurou, distante. - Essa pintura é tão parecida com minha irmã, que é como eu seu pudesse vê-la na minha frente de novo.
Dulce sorriu e olhou para o quadro.
- Sua irmã era muito bonita.
- Sim, ela era. Pelo que Adelaide costumava nos contar quando éramos menores, Ilana era muito parecida com minha mãe. Eu não me lembro porque perdi meus pais muito cedo.
- Você... deve ter sofrido muito. -Dulce disse, baixinho.
Christopher não respondeu.Parecia não querer concordar com aquilo.
- Bem, você deve querer ficar sozinho... - A ruiva fez menção de se levantar, mas Christopher a segurou no lugar.
- Não, fique aqui.
Dulce olhou nos olhos dele, surpresa. Então sorriu e assentiu.
- Ok.
Ele ficou observando o retrato de Ilana por mais alguns minutos, sem dizer nada.
Dulce suspirou, comentando: -Você deve sentir muito falta dela, verdade?
- Sim. - Ele concordou. - Ilana era tudo para mim.
Dulce olhou para as mãos. Não sabia se era melhor falar o que achava, ou ficar calada.
- Sabe... pelo que Adelaide contou-me... você nunca pensou em si próprio, Christopher. - Ela
ergueu os olhos para ele. - Quando Ilana era viva, era sua
responsabilidade... mesmo sem ser esta a intenção dela, acabava sendo uma barreira para sua vida. Você se via na obrigação de cuidar de sua irmã, por ela não ter mais ninguém, e por isso nunca pôde viver sua própria vida.Christopher olhou irritadamente para a esposa.
- Do que está falando, Dulce? Não fale do que não sabe... são bobagens!
- Não são, é a pura verdade! - Ela replicou com intensidade. - Você no fundo sabe que é verdade, Christopher. Não pôde viver sua vida quando Ilana era viva... e tampouco pôde viver quando ela se foi, pois se trancou numa solidão, culpando-se pela tragédia!
- Cale-se, não permito que fale de minha irmã! Eu a amava mais do que tudo.
- Eu sei. - Dulce disse com compreensão. - E por amar tanto sua irmã, e se dedicar tanto à ela, foi que largou sua vida para trás.Eu admiro isso em ti, Christopher. - Ele ergueu os olhos para ela. - Acho que toda pessoa com amor verdadeiro no coração faria isto.Por isso eu sei que você na verdade não pode ser tão maldoso e frívolo como quer demonstrar à todos. - A ruiva murmurou.
Christopher tirou os olhos dela.
- Eu sei que o verdadeiro Christopher... o aí de dentro... é totalmente o oposto do que todos acham. - Ela continuou. - É bom e generoso.
- Está enganada. - Ele disse de forma dura. - Sou exatamente como todos vêem.
- Não é. - Ela sorriu. - Eu sei que não é. Você só é um homem que sofreu e que perdeu as esperanças de voltar à vida. Só lhe digo três coisas, Chris.
Ele levantou os olhos.
- Chris? Você nunca me chamou assim... Quem costumava usar este nome era Ilana.-Ele murmurou.
Dulce sorriu.
- Em primeiro lugar: você nunca foi o culpado pela morte de sua irmã. Tudo foi um acidente, e não havia como impedir. Em segundo lugar, nunca se esqueça disso: eu acredito em você.
Christopher piscou, sem entender muito bem o que ela queria dizer.
- E em terceiro. - Dulce pegou a mão dele ternamente, assustando-o e surpreendendo-o.- Lembre-se que agora você têm a mim, e que estou do seu lado.
Antes que ele pudesse responder, a ruiva sorriu gentilmente e se retirou. O rastro de seu perfume leve e floral ficou para trás e se misturou ao perfume das flores perto de Christopher.
Ele logo voltou o olhar para o retrato da irmã, pensativo.