Capítulo 12: o convite da morena - Parte 1 de 1

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Anoitecia. Fontes encontrara Silas sentado ao balcão de Lúcia, como era de se esperar àquela hora de um sábado.

– Cuidou bem da minha C-10?

– Claro. E meu Dodge?

– Bom... - disse, coçando a cabeça, como se estivesse em dúvida.

– Vá se ferrar!

Silas sorriu.

– Brincadeira! É brincadeira! – mandou-lhe as chaves.

– Enfim, seu gordo mórbido... espero que tenha tido mais sorte que eu. – Sentou-se ao lado dele. – Lúcia, minha querida, traz um copo, por favor. – A Antarctica trincava no balcão.

– E onde estão os dois infelizes? – Silas perguntou.

Lúcia postou o copo de Fontes no balcão.

– Deixei eles lá para voltarem com as próprias pernas. É bom pra pensarem antes de falarem merda de novo.

Silas riu alto.

– Depois você diz que eu que sou um filho da puta!

Fontes acompanhou o riso, imaginando os dois caminhando pela estrada, ou melhor, pelo mato, temendo os índios e os guarás.

– Conseguiu encontrar a morena? – Fontes bebericou o copo, começando a enrolar seu fumo.

– Que tipo de detetive eu seria se não tivesse conseguido, Zé? É claro que encontrei – estendeu a mão, pedindo fósforo para acender seu próprio cigarro.

E...

– Eu não sei por que diabos, mas a safada da mulata quer falar só com você.

– Quando?

– Esta noite. Nem sonhe em me oferecer uma transa a três, Zé, que eu juro que atiro em você aqui mesmo!

– E por que ela não disse o que tinha que dizer a você?

–E eu lá vou saber, Zé? Mulheres!

Fontes notou que seu amigo não ficara muito feliz com a escolha da morena, mas ele próprio se sentia bem por ter a oportunidade de poder falar com ela e não apenas ouvir recados. Modéstia à parte, confiava mais no próprio taco.

Para agradar Silas, contudo, o detetive passou os minutos seguintes lhe contando sobre os caipiras, o facão, o guará e as histórias de assombrações dos infelizes. Ele adorava ouvir sobre alguém se dando mal; não conseguia nem expressar o quanto se felicitava por Fontes ter deixado a dupla à deriva em meio aos kayapós.

– Eu queria muito estar lá junto contigo! – ele gargalhava, esvaziando outro copo.

– Na próxima vez que eu for dar na bunda de uns coitados como esses, obrigo você a ir comigo – Fontes também ria. – E quando vamos encontrar a mulata que ganhou seu coração?

– Ganhou meu coração o caralho, Zé! Por que tanta pressa? Tá querendo é dar uma trepada, né, infeliz? – sorriu de lado, meio sem graça, com a própria insinuação.

– Nada... encontrei sua mãe no caminho de volta, não te disse?

Vá se foder, Zé! – eles sorriram. – Mas a morena disse que estará no Carlão essa noite. Falamos com ela lá.

Fontes assentiu, levantando-se.

– Onde vai? – Silas perguntou.

– Passar uma água no corpo. Acordei no Carlão hoje, não te disse? – virou o que restava no copo.

Silas riu de forma escandalosa.

– Já me esquecia de ontem à noite!

– Eu ainda nem me lembro, rapaz.

– Até mais então, Zé! – Silas levantou o copo, em mesura.

Até...

Sem seu colega para dialogar, Silas puxou conversa com Lúcia, que o xingava, dizendo que porra, Silas, eu tenho outras mesas para atender. O local começava a encher e a mulher estava naquele mau humor – Silas ouviu em uma conversa que o cantor descera correndo após tempo no andar superior do sobrado de Lúcia, que gritava para o infeliz sumir enquanto ele cobria a genitália com uma mão, segurando sua calça na outra.

Fontes seguiu para casa; devaneios surgiam em sua solidão, ao volante do Dodge. Os pensamentos insistiam em voltar para a imagem do facão encravado na árvore. Como aquilo foi acontecer? Por que o corno não pegou seu facão de volta? Algo sobre a cena o perturbava. Lembrou-se dos homens repetindo as palavras que ouviram de seus pais: comendo criancinhas. Poderia conceber algo assim? Seria crível? À noite, contudo, coisas horríveis passam a ser possíveis. Caso duvide, se lance no meio do nada na escuridão... sozinho. Se os homens estivessem certos, seria bom que desvendasse logo

(quem anda se alimentando de crianças nessa merda de cidade)

o motivo dos desaparecimentos. No mais, tinha um bom sentimento em relação ao encontro com a morena de quem Silas falara – as mulheres têm os olhos atentos.

Uma imagem que lhe vinho à cabeça em todo momento, era a dos olhos do Suíço, um com cada cor, encarando-o. Eles lhe causavam arrepios.

Um Perverso Tom de VinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora