Nícolas acordava aos poucos. Não conseguia abrir os olhos, mas sentia os músculos doloridos e fracos. Escutava o som de madeira estralando, queimando; um péssimo sinal. Tentou se erguer, mas cordas impediram-no. Entretanto, sentiu que elas não foram presas com força. Percebeu que estavam até um pouco frouxas... a falta do olho deve ter dificultado o trabalho do desgraçado. Tinha os braços estirados para cima, presos a algum tipo de madeira. Pensou – e talvez fosse apenas a esperança gritando em seu jovem coração – que podia conseguir sair daquela situação, soltar-se e fugir daquele inferno. Conseguira uma vez. Precisava apenas de um pouco de sorte. Porém, a sorte não se mostrava muito ao seu lado ultimamente. Lembrou-se de Rita fugindo... talvez ela estivesse bem. Não! Ela estava bem. Queria acreditar nisso. Precisava acreditar nisso.
A ideia de Rita abraçada aos seus pais o acalmara um pouco, mas era possível que seu plano não desse certo. Era mais que possível... era muito provável.
A possibilidade de sua morte esmagou o restante da esperança que ainda residia em seu peito mesmo depois de sua horrível temporada no antigo quarto escuro.
Tudo bem... se o destino lhe virasse o rosto outra vez e a morte o beijasse... tudo bem. Todos nós temos que ir em algum momento. Alguns pela água... alguns pelo fogo. Como podia a vida ser tão contraditória? Divagando em uma dolorida e confusa semiconsciência, Nícolas pegou-se refletindo sobre a abominável verdade: era muito provável que não viveria o suficiente para pensar sobre essas coisas. Uma ideia muito dura para um pequeno garoto, por mais corajoso que fosse.
Sentindo a fumaça nas narinas, tinha apenas dois desejos: que sua morte fosse rápida e que seus pais nunca soubessem da verdade sobre como ocorreu, pois eles não conseguiriam viver com ela.
No fim, apesar das circunstâncias, ele continuava sendo um bom garoto.
O calor se intensificava. Alguém, ou melhor, o Diabo começava a movê-lo.
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Um Perverso Tom de Vinho
Mystery / ThrillerNuma cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos. Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido da vida. Vez ou outra, um novo mem...