Capítulo 15: Geena? - Parte 1 de 1

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Mais uma criança fora arrancada do quarto escuro, fétido e cheio de roedores naquela noite. Nícolas não fazia ideia acerca do tempo em que estava preso; às vezes pareciam algumas semanas, às vezes a eternidade. Sua única certeza é de que chegara ali há mais tempo que alguns outros, já retirados em outras noites e, que por algum motivo, ainda continuava lá. Não compreendia a forma como elas eram escolhidas. Talvez nem mesmo o monstro que os prendera compreendesse. Talvez nem o próprio Diabo.

(Quem mais poderia fazer algo assim?)

O homem da boca rachada capturava as crianças quando sua mente doentia mandava, e trazia outros pequenos para manter o estoque. Estoque..., Nícolas pensava com um gosto acre na boca. Perdia sua infância, seus amigos, seu papai e sua mamãe para virar estoque, um pedaço de carne pendurado por um gancho no fundo de um repulsivo açougue. "Não chore, pequeno, você verá Geena, enfim", lembrava-se das palavras do carniceiro quando retirara o último menino, que em outro momento poderia até ser seu

(Geena?)

amigo, com quem jogaria futebol na rua, do quarto. Sabia que a mamãe odiava palavrões, mas já escutara o papai dizendo-os algumas vezes e só podia pensar neles agora: FODA-SE VOCÊ E FODA-SE ESSE CARALHO DE GEENA E FODA-SE SEU PAPAI FILHO DE UMA PUTA, SEU MONSTRO DESGRAÇADO!!!, o pensamento vinha em forma de berros desesperados. Seus olhos se enchiam de lágrimas e Rita apertava sua mão; o silêncio pairava no quarto com os gritos da criança do lado de fora.

O cheiro de fumaça e madeira queimada... o maldito estralar da brasa!

Estou no inferno. Fui um mau menino e agora estou no inferno.

Ou enlouqueci.

Os gritos aumentavam...

Nico... – Rita o abraçou, molhando seu ombro com as lágrimas.

Temos que dar o fora daqui logo, antes que esse monstro me pegue... ou pegue a Rita, o que seria muito pior.

Restavam seis crianças dentro do quarto. Nícolas começava a imaginar maneiras de sair daquele sofrimento.

(Malditas cordas! Se ao menos eu tivesse algo para cortar...)

Ideias surgiam. Era um garoto fantástico. Teria um futuro incrível, diziam... mas teria? Sua vida nunca mais seria a mesma, ainda que saísse daquele cômodo governado pelo

(Diabo)

mal em carne e osso. A cada criança... a cada vez que o cheiro adocicado de carne queimada alcançava suas narinas... um pedaço de sua alma se perdia.

E a carniça penetrava o ambiente. Os choramingos aumentavam e os únicos gritos do lado de fora eram

(Geena?)

os do homem alucinado chamando por algum maldito Moloque e pelo desgraçado de seu pai.

MORRAM! MORRAM TODOS! MOLOQUE! SEU PAI FILHO DE UMA PUTA! E VOCÊ! MORRAM!

Se pudesse, ele mesmo o mataria. Não pensaria uma segunda vez. Queimaria o demônio, mandando-o de volta para seu lugar:

(Geena?)

o inferno.

E ainda assim não seria o suficiente...

Nico...

Eu sei, Rita, eu sei... – Beijou a cabeça da menininha, que chorava.

Ela então o abraçou com mais força, mas, por dentro, o coração de Nícolas se enegrecia e uma voz que ele não conhecia começava a tomar espaço em sua mente.

(MORRAM! MORRAM!!!)

Um Perverso Tom de VinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora