Capítulo 37: tem um trago? - Parte 1 de 1

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Na estrada de volta para Nessuno, o silêncio tomava a viatura; era paradoxal, mas a falta de Silas era a maior presença dentro do carro.

Fontes se sentava no banco do passageiro.

– Eu sinto muito, Zé... – disse o policial que dirigia, enfim.

Fontes olhou para ele, ainda calado. Lembrou-se que no veículo atrás do que estava seguia o corpo inanimado e decepado de seu amigo. Então olhou para os dedos faltantes de sua mão direita.

Foda-se a polícia e foda-se essa merda toda! Para ele, aquele era o fim.

– Tem um trago? – Fontes perguntou.

O PM abriu o porta-luvas e o detetive pegou o cantil de aço. Estava há um bom tempo sem bebida; tempo demais, considerando-se a situação. O gole foi doce e quente, fazendo-o se lembrar, com amargura, da imagem do homem correndo na direção de Silas e acertando-lhe o facão no peito, e sobre a própria mão deficiente falhando.

Acendeu um cigarro. A bebida ardia no lado direito do abdômen, lembrando-lhe também que já não era nenhum jovem. Seu tempo estava chegando. E ele também temeu isso.

Bebericou mais um pouco. Não teria coragem para enfrentar, sóbrio, os próximos dias de sua vida.

– Você tá bem, cara?

– Como tá a menina?

– A que saiu da floresta? No hospital... mas vai ficar bem. Todos vão. – Se enganam, se pensam assim, Fontes pensou. E, não percebendo seus devaneios, o PM olhou para ele, sentindo que era hora de animá-lo. – Você é um herói, Zé! Salvou aquela molecada. Você é um herói!

O detetive voltou a beber, permanecendo calado. Confrontava as mentiras que todos diriam daquele dia em diante. Ele não era um herói, era um covarde. Um herói teria salvo seu amigo e não teria falhado no tiro, precisando de um menininho com o braço queimado para salvá-lo. E não, aquelas crianças nunca ficariam bem.

Nunca.

Um Perverso Tom de VinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora