Ao saírem do quarto, notaram que estavam dentro de um casebre de barro. Um lugar velho e sujo. Neste cômodo, a luz (ainda existia luz no mundo!) era tênue, mas o suficiente para arder-lhes os olhos; tanto tempo enclausurados quase os transformara em seres .
Após se acostumarem com a luz fraca, correram para o lado de fora.
O brilho era tão forte que por um instante não conseguiram enxergar. Mas como era lindo o sol! Como era deleitoso estar mais uma vez sob ele. Amém! Nícolas chorava; por muitos motivos: por sentir o sol, por sentir-se livre, por ter libertado Rita e por ter deixado os outros naquele inferno. Seu corpo tremia; o estômago queimava, empurrando um líquido quente e azedo esôfago acima. Por fim ele vomitou na terra.
– Nico, cê tá bem? – A menina postou a mão sobre suas costas.
– Sim... – disse, passando o braço sobre a boca. – Temos que ir. Temos que ir rápido.
– Pra onde, Nico? – ela perguntou. Também chorava. – Eu tô com medo!
Ele a abraçou.
– Não precisa mais ter medo. Não precisa... eu vou cuidar de você.
O plano era correr em linha reta para qualquer direção, rezando para qualquer deus que pudesse e quisesse ouvi-los para que não encontrasse o monstro. Nícolas ainda não se sentia preparado para enfrentá-lo; precisava cuidar de Rita antes de tudo. Pobre menina... precisava encontrar adultos para ajudá-los. Havia outras crianças! Como foi aprender tão cedo o peso insuportável da palavra responsabilidade em toda sua amplitude.
O coração estava agitado no peito dos dois. Nícolas apontou em direção do curral e :
– Por ali! Vamos!
E então ouviram um grito; um urro de fúria, lançado das profundidades do peito de um animal... do Diabo.
É incrível como o pior sempre acontece.
– Nico... – Ele sentiu as pequeninas mãos de Rita apertarem sua camiseta, puxando-o.
O homem olhava com ódio, inerte, tomado pela incredulidade da cena. Como haviam escapado? COMO?
– Rita... corre. – Nícolas olhava pare ele, sentindo o coração queimar.
Medo? Ódio?
– Nico...
– CORRE, PELO AMOR DE DEUS! – ele a empurrou. – Rápido!
– Nico! – ela o olhou, chorando.
– CORRE!
Ela se levantou aos tropeços, mas conseguiu correr em direção à mata.
O monstro arregalou os olhos, temendo perder sua oferenda.
PAPAI?
SEU IDIOTA, IMBECIL! ASSASSINO DE MÃE! ESTOU CONDENADO POR SUA CAUSA! MOLOQUE NOS PUNIRÁ! MOLOQUE ME PUNIRÁ! GEENA ESTÁ DESMORONANDO POR SUA CAUSA, SEU MERDINHA! VOCÊ É UM NADA! UM MALDITO ZERO À ESQUERDA.
PAPAI, NÃO, POR FAVOR, NÃO.
O monstro chorava.
FAÇA ALGUMA COISA, SEU MERDINHA! FAÇA ALGUMA COISA.
E então o gigante disparou para a floresta atrás de Rita. Nícolas, no entanto, não poderia deixar nada acontecer com ela. Nada.
RITA!
– SEU DESGRAÇADO! – Nícolas gritou, correndo em direção a Genésio. De seus olhos escorriam lágrimas. – SEU MONSTRO COVARDE!
O homem ignorou o menino, adentrando a mata.
(PAPAI, PAPAI, PAPAI.)
Nícolas se jogou sobre suas costas, gritando com ódio e espetando o canivete várias vezes em seu dorso. As erupções de sangue minavam com os golpes e seus gritos aumentavam. O homem parou, tentando segurá-lo, remexendo-se, tentando tirar aquele bicho infernal de suas costas. Virou o rosto procurando-lhe; foi quando sentiu a lâmina atravessar o glóbulo ocular direito, queimando seu crânio por dentro.
– AAAAAAH! – Genésio gritou, acertando uma forte braçada no menino, atirando-o contra uma árvore, qual bateu violentamente a cabeça. Caído no chão, o sangue começou a escorrer de seu couro cabeludo. – AAAAAAH! SEU INSETO! – Puxou o canivete, ocasionando um rápido esguicho no ato. – AAAAAH!
O menino permanecia no chão, desmaiado. O ódio de Genésio tomava a voz de seu pai.
(Está vendo, seu merdinha assassino de mãe, esse inseto te pegou de jeito.)
Desejava estrangular a criança caída, tirar-lhe a vida com as próprias mãos, naquele segundo. Até mesmo se esquecera da pequena que fugia pela mata.
NÃO!, ouviu a voz do pai em sua cabeça, repudiando a morte da criança. NÃO!, insistia.
Então uma imagem e uma palavra começaram a transbordar perante seus olhos. Havia somente uma coisa a se fazer com o menino. Pelo seu papai; por Moloque... por Geena.
Fogo...
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Um Perverso Tom de Vinho
Mystery / ThrillerNuma cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos. Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido da vida. Vez ou outra, um novo mem...