Capítulo 22: o sabor é amargo - Parte 1 de 1

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Fontes acordou com um tabefe no rosto. Tomado pelo instinto levantou-se, com o ardor na pele, mal se lembrando dos últimos momentos de consciência. As mãos, contudo, empurraram-no de volta para a cadeira; de madeira nobre, ela nem se moveu. Atrás dele, a lareira esquentava o local.

– Calma, senhor Fontes – uma voz disse. O Suíço.

As lembranças começaram a voltar. Ele olhou para os lados, emudecido pela presença do homem, notando o gigante que o estapeara a olhá-lo com ódio. Outros dois capangas se espalhavam pela sala iluminada apenas pela lareira e por mais uma fraca luz laranja, sem origem certa, como uma rua insegura em um bairro periférico. Frente a ele postava-se o Suíço, sorrindo, bem-vestido, coberto por uma aura enegrecida; um perverso tom de vinho em seu sorriso. Silas estava ao fundo. Calado. Com medo.

Max... – Sua cabeça doía, relembrando-o da coronhada.

– José – ele interferiu, cruzando as mãos sobre a mesa. – Você tem ideia do que fez?

Senhor...

– Calado. – Outro tapa acertou seu rosto. Um filete de sangue escorreu da boca. – Digo, você tem alguma noção do que você fez? Meu sobrinho, detetive... MEU sobrinho.

Eu não sabia, senhor... – Lágrimas escorriam por seu rosto.

– E este, detetive, é o único motivo de você inda estar vivo. Onde você estava com a cabeça? Quanta coca corria nessa sua cabeça de corno broxa quando você fez o que fez, detetive? ME DIGA!

– Nós... – começou, virando-se para Silas, que desviou o olhar. – Eu pensei que tivesse algo a ver com os meninos, senhor... as crianças que estão sumindo. Ele estava na porta de uma das escolas e... – Outro tapa. Fontes respirou profundamente, buscando conter um vergonhoso choro que clamava por sair de sua garganta. – Depois da morte na frente do Danilo, eu pensei que... – Um soco o atingiu no estômago.

– Tales não teve nada a ver com a morte daquela vagabunda, Detetive! Nada. E sobre ele estar na frente de uma escola... bom... ele gosta de garotas. Quem não, detetive? O menino está na juventude e deve mesmo aproveitar. Ele não teve nada a ver com as crianças, imbecil. Suas conclusões foram patéticas e sua ação precipitada e tola. – Olhou para o gigante que o usava como saco de pancadas. – Traga ele aqui.

Silas permanecia em silêncio, mas era possível ouvir seu nariz fungando.

Max... Max! Senhor! – Fontes tentava forçar o corpo para trás. Em vão.

O Suíço se levantou, obtendo um aspecto escuro pelo fogo que queimava atrás de si, e puxou um grande

(o facão encravado na árvore; o facão encravado em mim)

facão de baixo de sua mesa, desembainhando-o e sorrindo para a lâmina.

Max! MAX! POR FAVOR!

Ao fundo da sala, Silas fechou os olhos.

– Não se preocupe, José. Eu não te matarei – ele respondeu às suplicas. Fontes mantinha a respiração célere com o peito contra a mesa. – Mas alguma coisa tem que acontecer, não concorda? O que as pessoas pensariam, detetive? Que qualquer filho da puta como você pode foder com minha família e ficar por isso? Sair ileso? – ele riu. – Não. Nós, a família Suíço, temos um nome a prezar...

Max... por favor... – não tinha mais vergonha de demonstrar seu choro.

– E o nome, detetive, é tudo que fica... tudo...

Max, eu...

– A mão esquerda – disse para o gigante que o segurava.

– Não, Max! Por favor! Eu JURO que vou encontrar quem tá...

E veio o baque da lâmina contra a madeira, cortando também sua conversa. E depois o grito.

– ZÉ! – Silas também gritou, tentando libertar-se das mãos que seguravam seus braços.

O grito continuava, incessante. Fontes segurava seu pulso esquerdo, encarando o lado esquerdo do metacarpo com os dedos faltantes. O sangue escorria pela sua mão. O tom rubro escur­­­o alcançava sua camisa.

– Tragam uma bebida para esse homem – o Suíço disse. Limpava a lâmina ensanguentada com um pano que estava sobre a mesa. – Sabe, detetive – este desviou os olhos para ele. – Você e esse idiota do seu amigo foram escolhidos para serem detetives dessa cidade não por serem espertos ou perspicazes, ou o que diabos vocês pensam que são. O único motivo de estarem onde estão é porque têm respeito. E respeitar a mim – apontou o indicador contra o próprio rosto; o olho verde brilhava – é a única coisa que separa vocês de uma vala. Então, por favor, não tentem sair da zona de conforto que criaram. Hoje, dois dedos. Amanhã pode ser seu pescoço, detetive.

Um dos guardas entregou-lhe uma garrafa de Passport, que ele agarrou com a mão direita e virou um quarto em um bom gole.

Max... digo, senhor – Fontes tinha a respiração mais pesada que um elefante obeso. O líquido vermelho escorria também de seus lábios, juntando-se às lágrimas e ao choro. – Eu... eu...

– Nós não somos amigos, detetive. – Jogou-lhe um pano para tampar o ferimento. – O mesmo vale pra você, detetive Gonçalves. Contudo, não quero matá-los. Não quero mesmo. Não sou um sádico, por Deus! Portanto, não me obriguem a fazê-lo... pois se for preciso, eu o farei. E o farei sem perder um segundo da minha noite de sono, meus caros. O medo, vocês sabem, é o maior formador de respeito. Se as pessoas pensarem que podem simplesmente foder comigo, tudo pelo que lutei vai por água abaixo. E isso, seus paspalhos, eu não permitirei.

– Senhor... – Silas tentou falar algo, mas foi cortado.

– Tirem eles daqui – falou para os guardas. – E vá tratar dessa mão, detetive.

Silas, que estava mais próximo da saída, foi facilmente escoltado para fora. Fontes saiu puxado; tentava manter o corpo firme, tentava encontrar sua coragem, sua força, sua maldita virilidade... mas tudo que conseguia fazer era segurar a mão ferida. Isso e olhar seus dedos ensanguentados por cima da mesa. Seus dedos...

Max pegou os dedos sobre a mesa, notando que o pobre coitado não tirava os olhos daquilo.

Não se preocupe, detetive – ele disse, lançando os tocos à lareira.

Fontes perdera as forças no ato e já era escoltado para fora quando o Suíço o chamou.

Os guardas pararam.

– E, detetive... – olhou-o nos olhos. Cada olho, uma personalidade. Cada olho, uma morte diferente. – É bom que vocês encontrem esses pirralhos, porque se mais algum menino sumir... – balançou o facão. – Boa sorte.

Um Perverso Tom de VinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora