Pisar no bar do Carlão, estando seu amigo morto, era estranho. Não mais ouviria a risada escandalosa de Silas no canto do boteco, nem teria alguém para conversar enquanto tomava uma. Fontes sentia uma grande amargura. Notara o homem solitário que era. Perdera seu melhor amigo. Seu único amigo.
A bebida doía ao descer, mas ele não conseguiria viver sem ela. Melhor as dores da bebida que as dores da verdade, da imutável e dura realidade. Sentado ao balcão ele se manteve calado. As mulheres não o animavam, tampouco o jogo, e nem mesmo o próprio Carlão, que sentiu muito ao receber a notícia, oferecendo-lhe o resto da garrafa de Black Label por conta da casa. Ele também não encontrou Ana ao longo da noite, o que era um tanto triste e peculiar. Ele precisava um rosto íntimo para sentar-se ao seu lado.
Não tardou para que o Suíço chegasse. Todos abriram espaço, sorrindo para ele. Um rei. Um deus. Ao avistar Fontes, foi em sua direção e, de braços abertos, o abraçou, beijando-o no rosto. Longe de se comparar com Jesus Cristo, mas Fontes não pôde deixar de se lembrar de suas professoras em suas catequeses mencionando Judas.
– Detetive José Fontes! O herói de Nessuno! – as palavras se arrastavam. – Como está a mão?
– Está bem, Max. Obrigado por perguntar – ele suava frio.
E depois do falso cumprimento para os olhos do público, o Suíço se aproximou do ouvido de seu subalterno.
– Relaxe, meu filho... – sussurrou. – Heróis não morrem, mas... – sorriu, aproximando-se. – Você é meu. Fale o que não deve e será sua mão toda, fale de novo, a outra... encoste mais um olho no meu sobrinho e, bom... seria um bonito ato da minha parte dar uma cadeira de rodas para um herói aleijado, não acha? – Afastou-se. – Bebam, meus amigos! Hoje, a noite pede celebração! Às nossas crianças, que agora podem andar na rua!
Assim todos fizeram, inclusive Fontes. Ele que já perdera tudo e agora só temia a morte.
Aquele lugar nunca mais seria o mesmo.
Sua vida nunca mais seria a mesma.
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Um Perverso Tom de Vinho
Mystery / ThrillerNuma cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos. Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido da vida. Vez ou outra, um novo mem...