Após serem alvo de zombaria e maus tratos na delegacia, os amigos dos gêmeos – seis deles – decidiram eles mesmos realizarem a busca pelos seus comparsas. Sabiam que os dois caçavam em torno da Cachoeira do Sapé, próximo a uma tribo de nativos, e que haviam encontrado alguns ossos estranhos no lugar. A mulher de Uílton disse que ele havia ido mostrar os tais dos ossos ao detetive no mesmo dia em que desapareceram. História muito mal contada. Os seis homens não se sentiam confortáveis andando por aquela mata, nem eram simpatizantes dos indígenas, mas os caras, sim, eram seus amigos! Ademais, estavam em um grupo de seis; seis grandes e fortes homens (como se viam). O que poderia acontecer com eles?
– Cacete, cumpadi, eu quero vazar daqui logo – disse o último da fila.
– A gente só sai daqui quando achar o Ílto e o Ílso – replicou o outro, seguindo na ponta dianteira.
Já fazia algumas horas que caminhavam. Estavam prestes a desistir, é verdade, mas, excetuando o último da fila, nenhum dos outros cinco admitiria isso em voz alta. Deixaram os dois Fiat's 147 próximos à cachoeira, deserta naquele momento e seguiram caminhando e caminhando, desmembrando o cerrado mineiro e torcendo para não desaparecerem também.
E foi um tempo depois dos comentários que de repente os homens sentiram um cheiro horrível, primeiro de forma leve, mas ganhando força e intensidade, chegando a arder-lhes o interior das narinas.
– Uai, que cheiro é esse? – um deles reclamou, tampando o nariz.
– Parece que o diabo morreu e apodreceu aqui!
Os passos se tornaram mais lentos e cuidadosos; temiam encontrar alguns guarás devorando um animal ou um cavalo apodrecendo, sendo comido por abutres. Tinham seus receios, mas nem nos seus piores pesadelos poderiam imaginar o que encontrariam.
– O que é? – o último da fila perguntou quando o grupo parou, com as mãos na cabeça, catatônicos. – O que que... – levou a mão ao rosto. – Ah, meu Deus... isso... são...
– São eles – o da dianteira afirmou, esfregando a mão na barba. – Diacho...
Frente ao grupo estava um par de corpos esquartejados, deteriorando-se. Os rostos eram poças de sangue seco e as roupas estavam todas destruídas e encharcadas de sangue, como se o Curupira houvesse saído das histórias de suas vós e os punido por terem feito mal àquele bioma. Ou, claro...
– Foram os índios – um deles gritou. – FORAM OS MALDITOS ÍNDIOS!
– Como você pode ter tanta certeza?
– Uai! Olha! – apontou para um círculo a uns dois metros deles, onde vários artefatos indígenas, incluindo cocar, lança e colares. – FORAM ESSES FILHOS DA PUTA DOENTIOS! É COMO SEMPRE NOS DISSERAM! SÃO COMO BICHOS! ANIMAIS!
O que nenhum deles sabia é que era costume dos kayapós sepultarem seus mortos sentados, com o rosto virado para o leste, em um fosso de formato redondo coberto de enfeites por objetos pessoais do falecido, como cabaças, armas e alguns ornamentos. Objetos que o espírito levará para sua nova morada. Mas... mesmo que soubessem. Eles realmente se importariam? Quando a racionalidade falou mais alto que o desejo por sangue e vingança? Quando?
– E agora? O que faremos?
– Vamos pegar esses desgraçados... – disse, aproximando-se. Mas primeiro – limpou as lágrimas, que qualquer bom homem derramaria ao ver seus amigos naquele estado. – Não podemos deixar eles aqui assim.
Era verdade. Quatro se aproximaram para ajudá-lo; o último correu para o lado e vomitou. E, enquanto sepultavam os corpos, um ódio florescia dentro deles, uma semente maligna brotava...
E o desejo por sangue começava a renascer.
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Um Perverso Tom de Vinho
Mystery / ThrillerNuma cidade boêmia como Nessuno, tem-se a impressão de que a noite existe para abrigar os fracassos, os pecados e os prazeres mundanos. Esvaziar um copo de bebida quente com a lua dominando o céu torna-se o sentido da vida. Vez ou outra, um novo mem...