Capítulo 14: colarinhos brancos e o velho sobe e desce - Parte 1 de 1

163 19 6
                                    

Quando Silas chegou à porta do Carlão, deparou-se com Fontes arrastando o sapato no chão.

Puta merda... – Fontes praguejava, ciscando como uma galinha.

– O que foi, Zé? – perguntou, aproximando-se. Sorria. – Caçando minhocas?

Fontes mal desviou o olhar para o infeliz.

– Algum corno infeliz vomitou na porta dessa porra de lugar e eu pisei nesse caralho! Puta que pariu!

Silas sentia o cheiro de vômito, mas ainda assim não parava de rir.

– Deixa de frescura e vamos entrar logo – encostou-lhe no ombro. – A senhorita eu-só-falo-com-seu-amigo já deve estar lá dentro.

Fontes levantou a perna, dobrando o joelho, para conferir a sola do sapato; estava um pouco aquém do aceitável.

Cacete!

Mas o cheiro azedo da sola do sapato de Fontes nunca seria notado na espelunca do Carlão. O aroma boêmio – o mesmo cheiro de vômito; o acre de urina e suor; o ardente de álcool e a marola da erva – cobria até o mais forte dos perfumes amadeirados. Não que isso incomodasse os frequentadores; mesmo porque ninguém nunca havia pisado ali sóbrio (nem mesmo Carlão), e provavelmente por muitos anos as coisas permaneceriam assim. Tradição é algo que impregna as paredes de qualquer lugar; se você nunca entrou em um local trajando um terno fino, certamente se sentirá desconfortável quando o fizer; e se o fizer.

O Suíço não estava lá, o que os aliviou; seria no mínimo horrível admitir que ainda não tinham nada em mãos. Por outro lado, Silas apontou a senhorita eu-só-falo-com-seu-amigo para Fontes. Estava junta ao balcão e conversava com Carlão; era um pouco mais alta que o velho homem e trajava um colado vestido na cor de vinho tinto (um vinho tinto de ótima qualidade!), deixando livres os braços, as pernas e um generoso decote que deixava à mostra boa parte de seus seios cor de chocolate. Os cabelos escuros eram longos, podia-se notar, mas estavam presos, deixando os ombros à mostra. Ela – Fontes nem sabia seu nome – trazia grandes argolas nas orelhas, o que o fez se lembrar de um comentário de Silas (e quem mais o faria?) em uma outra noite: o tamanho da argola, vocês sabem, é o mesmo que a vontade de...

– Vai ir falar com ela ou só ficar por aqui babando mesmo? – Silas perguntou.

Fontes olhou para ele, mas não disse nada.

– Alguém já te disse que você é um cara muito estranho? – Silas sorriu. – Enfim, Zé, vou me prostrar em um desses bancos e encher a cara. Se precisar de mim... sinta-se à vontade para não me chamar.

– Certo – respondeu.

Só não se apaixone, Romeu! – Silas gritou, levando as mãos à boca para tonalizar a voz.

Seu amigo levantou o braço, mostrando-lhe o gesto universal de vá se foder, em resposta.

Como eu adoro esse filho da mãe!, Silas pensou, pedindo uma Antarctica gelada.

A mulher bebia Campari; trazia gelo no copo. Sorriu ao notar o detetive caminhando ao seu encontro.

– Olá, moça, meu nome é... – aproximou-se, oferecendo-lhe a mão, mas foi interrompido.

– José Fontes, certo? – a mulher disse, deixando o líquido vermelho sobre o balcão e beijando-lhe a face do rosto. – Esta é uma cidade pequena, detetive.

– Imagino que seja mesmo, senhorita. Mas temo que não saiba o seu nome.

– Roberta – tornou a pegar o copo.

Um Perverso Tom de VinhoOnde histórias criam vida. Descubra agora