Capítulo 59

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Ráfaga foi o primeiro a erguer os olhos quando ela tornou a entrar na sala. Seu olhar de inspeção percorreu-a dos pés à cabeça numa avaliação clínica que não era bem a reação que seu ego desejava. Laredo já estava a meio caminho da porta, de impermeável. - Não se vá, Laredo - protestou, andando em sua direção. Ele sorriu, indulgente. - Está ficando tarde. - Fique mais um pouco - falou ela, com jeitinho. Não se dava conta de como estava atraente. O rosto brilhava de entusiasmo, um sorriso natural lhe entreabria os lábios, os olhos estavam radiantes de prazer. À luz do fogo, o cabelo refulgia como ouro velho. A brancura cremosa da pele contrastava perfeitamente com a saia rodada carmesim que lhe envolvia as pernas. - Eu... - Laredo hesitou, os olhos azuis percorrendo-a com aprovação, e um brilho de algo mais. - Venha. - Com um abandono descuidado, Segurou o braço dele com as duas mãos. - Estou de roupa nova e quero comemorar a ocasião antes que se acabe a novidade das minhas roupas de segunda mão. - Está bem. Laredo abriu um amplo sorriso e tirou o impermeável. Sheila pegou-o e pendurou-o de novo no gancho, perto da porta. Ao se voltar, a saia rodopiou em volta das suas pernas. Emoldurada pela luz do fogo, colocou as mãos na cintura justa da saia, a pose levemente provocante.- Não disse como estou - lembrou-lhe Sheila. - Admito que não seja exatamente chique, mas... Deixou a frase pelo meio, sorrindo-lhe carinhosamente, sentindo-se afável e brincalhona. - É mais do que você costuma usar - comentou ele, com tristeza simulada -, mas sem dúvida é bem melhor do que as calças compridas. - Chauvinista! - riu ela. Os olhos dele escureceram até ficarem num tom forte de azul. - Você está estonteantemente linda, Sheila - disse Laredo, com suavidade. Não fora sua intenção enfeitiçá-lo deliberadamente, mas logo se pôs a curtir a admiração ardente no olhar dele. - Sem dúvida, sinto-me mais confortável. Alisou a saia com a mão, notando distraidamente o contraste da pele clara contra o tecido vermelho-vivo. - Diga-me - Laredo voltou a reclamar a sua atenção -, que tipo de comemoração está planejando para as suas roupas novas? Um escárnio suave velava o fogo azul-escuro dos seus olhos. - Estou com vontade de dançar. - Desculpe. - Um sorriso de pesar simulado curvou-lhe brevemente a boca. - Infelizmente, é a noite de folga dos músicos. A perna de uma cadeira arrastando no chão fez que Sheila virasse a cabeça bruscamente na direção do ruído, subitamente alertada para o fato de que tinham uma platéia. As feições de Ráfaga formavam uma máscara dura e fria, perigosa e francamente espanhola. Sheila não precisava que lhe dissessem que o sangue da crueldade lhe corria nas veias. Estava escrito no formato implacável da linha do seu maxilar e da boca, levemente arrogante e selvagemente nobre. Dirigia-se para uma das janelas escurecidas pela chuva, e Sheila acompanhou-o com os olhos. O lembrete desagradável da presença dele esfriou um pouco o prazer do momento. Voltou a olhar para Laredo, com a determinação brilhando nos olhos. - Podemos dançar, com ou sem música - declarou Sheila. - Não me lembro mais como se dança - disse ele, sacudindo a cabeça em negativa, a luz do fogo fazendo brilhar os seus cabelos castanhos. - Vai se lembrar. Colocando a mão esquerda no ombro dele, forçou-o a segurar-lhe a mão direita, e começou a cantarolar uma balada. Hesitando por uma fração de segundo, Laredo deu um sorriso torto de indulgência divertida, e apoiou a mão na curva da cintura dela. Os passos iniciais foram desajeitados e fora do ritmo, mas Sheila insistiu até ele encontrar a sua coordenação. - Está vendo! - Sorriu para ele, fazendo uma pausa no cantarolar da melodia conhecida. - Não esqueceu.- Acho que não. Pelo menos você ainda tem todos os dedos dos pés. - Abriu um sorriso. - Estava correndo um risco e tanto, dançando descalça comigo. Eu podia ter pisado neles todos.

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