Capítulo 95

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Estava certa de que não deveria, mas isso de nada adiantava, agora. Ainda se sentindo fraca, Sheila oscilava, sem firmeza alguma. Ráfaga tomou-a nos braços, como a um bebê. Ela não ofereceu nenhuma resistência quando ele a levou para casa. A cena do castigo a atormentou durante dias. Certa noite, Sheila acordou de um pesadelo, e Ráfaga confortou-a como se fosse uma criança assustada, segurando-a bem junto de si e acariciando seus cabelos até que os tremores cessassem. Durante o dia, ela passava grande parte do tempo imersa em pensamentos, considerando a vida, Seus valores e contradições. O tempo todo, uma vozinha no fundo da sua cabeça ficava repetindo: "Você tem que sair daqui", como se soubesse de alguma coisa que ela própria desconhecia. Uma semana depois, ela e Ráfaga estavam dando um passeio a cavalo numa gostosa tarde de primavera. Inesperadamente, ele a conduziu pela trilha inclinada que levava para fora do desfiladeiro. Ao caírem da garganta, virou o cavalo para a direita para seguir uma pequena trilha. Sheila deixou Arriba à vontade, para que a égua subisse por si mesma a picada íngreme, que terminava num platô estreito e rochoso, pontilhado de árvores anãs. Ráfaga desmontou do cavalo, e Sheila acompanhou-lhe o movimento, seguindo-lhe o exemplo quando afrouxou a sela para aliviar o cavalo baio depois da longa subida. Largando as rédeas no chão, caminhou em direção à saliência rochosa onde Ráfaga se encontrava. A saliência oferecia uma vista ampla e limpa do desfiladeiro lá embaixo e dos picos montanhosos da cordilheira Sierra Madre, que se estendia para o norte. Meio tonta devido à altitude, Sheila sentou-se numa pedra para olhar a paisagem e a aldeia no desfiladeiro. Seus pensamentos logo se voltaram para a presença sempre dominadora de Ráfaga. Estava perto da beira da saliência, com um dos joelhos ligeiramente inclinado, enquanto a outra perna sustentava a maior parte do seu peso. As dobras do poncho ocultavam grande parte do corpo esguio e musculoso. A atenção de Sheila voltou-se para o perfil dele. Usava o chapéu bem abaixado sobre a testa, cobrindo o cabelo negro e espesso. Os olhos escuros fitavam a distância. A pele cor de bronze se esticava sobre as maçãs do rosto, depois descia, encovada, até o queixo firme.O vinco forte que ia do canto do nariz classicamente reto até o começo da boca acentuava a linha reta e dura dos lábios masculinos e o empinar natural do queixo. Era agressivamente másculo, indomável, confiante em si mesmo e no que queria. Sheila não pôde deixar de se perguntar como chegara a se tornar assim. - Quem é você, Ráfaga? - perguntou, inclinando a cabeça para o lado. Ele se virou em sua direção, uma sobrancelha erguida com ar indagador, como se tivesse se esquecido dapresença dela. Os olhos velados se fixaram nos dela por um minuto. - Sou um homem - respondeu simplesmente. Era uma afirmação despretensiosa. Sheila ficou pensando que não conhecia mais ninguém que tivesse respondido àquela pergunta daquele jeito. Todos a quem conhecia se teriam identificado pela ocupação ou pelas realizações, elaboradas para dar-se importância. Mas Ráfaga não o fez. - Mas quem é você! - insistiu. - Qual o seu nome verdadeiro? De onde vem? O que fez! Por que está aqui? Ele retorceu a boca, divertido, como se achasse que as perguntas eram tolas. - Que histórias os outros contaram a meu respeito? - Os outros? Quer dizer Juan e Laredo? Contaram-me várias histórias, cada uma diferente da outra - admitiu Sheila. - Já esteve preso? - Já. Novamente uma resposta sem explicação. - Por quê? - Por ter cometido um crime. É o motivo de costume.Havia um leve ar de riso na sua boca. - Que crime? - E isso importa! - retrucou Ráfaga. - Cometi um número suficiente de outros, desde então, para fazer o primeiro parecer insignificante. Sheila se deu conta de que era inútil insistir na pergunta. Ele não tinha intenção de lhe contar, e era esperto demais para deixar escapar alguma coisa. - E você fugiu? - perguntou, mudando de tática. - Si.

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