Capítulo 73

299 9 1
                                    

Um cachorro veio correndo para latir e tentar morder os calcanhares do cavalo. O andar deste não se alterou, embora repuxasse a orelha para trás, ao ruído. Numa das casas, um homem estava sentado numa cadeira, sob a proteção do telhado que se projetava amplamente para fora. Não se mexeu nem ergueu os olhos quando passaram por ele. Sheila notou o cobertor de padrões vivos colocado sobre as pernas do homem, e se lembrou de que Ráfagalhe havia contado que o marido de Elena era inválido. Desviou o olhar, curiosa, para a porta da casa e viu Elena de pé nas sombras da entrada. Um ódio ciumento ardia nos seus olhos ao fitar Sheila. Haviam passado pela casa e estavam se aproximando do pequeno curral quando Sheila percebeu o verdadeiro motivo dos ciúmes de Elena. Não fora meramente o fato de ela estar cavalgando com Ráfaga. Fora o braçocolocado intimamente à volta da sua cintura. A percepção desse fato deu origem a um outro. O convite de Ráfaga para cavalgarem juntos não fora feito porque desejava a companhia dela, nem para distraí-la. Estava tornando realidade a sua afirmação da véspera: "Amanhã", dissera, "todos saberão que é a minha mulher". O boato quanto à modificação do seu status devia ter-se espalhado depressa pela pequena população, e Ráfaga o confirmara visualmente cavalgando com ela pelo centro do pequeno agrupamento de casas. Quando Ráfaga parou o cavalo diante do curral cercado, Sheila imediatamente jogou a perna por cima da sela para desmontar. Estava ansiosa para se libertar do contacto perturbador dele, que a cegara temporariamente para o verdadeiro objetivo que tinha o passeio. Mas o braço dele permaneceu firme à volta da sua cintura, baixando-a até o chão, embora soubesse que ela não desejava a sua ajuda. Ela começou a caminhar rigidamente para o curral, onde os cavalos estavam seagrupando para receber a montaria de Ráfaga. - Buenos dias, señor Ráfaga. Alô, señora. O cumprimento, num inglês com forte sotaque, deteve Sheila. Um mexicano saía com passos vivos de sob o resguardo de um barracão. Suas feições suaves tinham uma expressão de respeito deferente, sem ser servil. Ela já o vira vigiando a casa. - O que desejam? - perguntou com forte sotaque. - Quero que sele um cavalo para a señora - respondeu Ráfaga. O mexicano olhou para os cinco cavalos que se agrupavam junto à cerca. - Qual deles! Perguntava a preferência de Sheila, mas foi Ráfaga que respondeu. - O baio com a estrela. O olhar de Sheila percorreu os animais, encontrando o baio com a estrela branca na testa, de focinho romano e ar plácido. Não viu nada no animal que lhe despertasse o interesse. - O baio! Não, não, señor. - O homem parecia partilhar da opinião de Sheila sobre a escolha de Ráfaga. O roano. - Traduziu imediatamente, por causa de Sheila. - A égua ruana é melhor. Uma égua castanha com manchas brancas estendeu o pescoço por cima da cerca do curral. Havia uma insinuação de puro-sangue no corpo elegante e de pernas longas da égua, embora lhe faltasse a graça que Sheila tinha visto nos equivalentes americanos da raça. Tinha os olhos grandes e luminosamente castanhos, curiosos, mas meigos. - Não, a ruana, não - disse Ráfaga, recusando a sugestão. Franzindo o cenho, o homem lançou-lhe um olhar confuso, obviamente acreditando que havia escolhido o melhor animal do grupo, e sem compreender por que Ráfaga preferia o baio à égua ruana. - Acho que ele quer dizer - explicou-lhe Sheila - que quer que eu monte um animal que seja menos capaz de fugir comigo, ou vice-versa. - Fugir! Ah, não señor, a égua é muito mansa. - Meu filho Pablo vive montado nela - insistiu. Uma sobrancelha negra arqueou-se, pensativa, enquanto Ráfaga olhava para Sheila. Tendo tomado uma decisão, ele a comunicou em espanhol. O sorriso satisfeito que se abriu na boca do homem contou a Sheila que montaria a ruana, antes mesmo de ele tirar a égua do curral. - Não está com medo de que eu vá tentar fugir! - zombou Sheila suavemente, mantendo a voz bem baixa, para que somente Ráfaga escutasse as suas palavras.Ele a fitou com olhos preguiçosos, semi-cerrados. - Vai pensar no assunto. - A voz dele era rouca, mas dura, como veludo sobre aço. - Mas não vai tentar. Tinha razão. Sheila não tentaria fugir quando ele estivesse junto com ela. Ráfaga era cruel demais.

A Caricia Do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora