Capítulo 56

278 8 1
                                    

- Diga ao seu patrão que prefiro voltar agora para o meu quarto - pediu ela, lutando contra a sensação de aprisionamento e impotência. O olhar azul pulou para Ráfaga e ricocheteou de volta para Sheila. - O resto da casa é frio e úmido demais. Fique aqui ao pé do fogo, onde se sentirá quente e seca. - O que aconteceria se eu resolvesse ir para o quarto, e fosse! - indagou, desafiadora. - Seria trazida de volta - declarou Laredo, e deu-lhe as costas. Frustrada, recomeçou a pentear o cabelo, escutando o estalar de eletricidade que se assemelhava à sua própria tensão nervosa. Mais uma vez, Sheila sentiu a absorção perturbadora do olhar de Ráfaga, mas não deixou que a capturasse. Dali a poucos minutos, o estranho levantou-se da mesa. Ráfaga acompanhou o homem até à porta, dando uma ordem ao guarda. Este deixou o seu posto para acompanhar o estranho. Com a partida do guarda, Sheila soube que não lhe permitiriam ir para o seu quarto até que ele voltasse. A saída do estranho deu início a nova discussão entre Laredo e Ráfaga. Certa de que tinha algo a ver com ela, Sheila ficou atenta, percebendo uma nota de dissensão no tom de voz de Laredo. Era óbvio que estava discordando de alguma coisa que fora tomada. Quando Elena chegou para preparar o jantar, Sheila não se levantou para ajudar. Ninguém reclamou, muito menos Elena. Contudo, a presença da morena interrompeu a discussão entre Laredo e Ráfaga. A julgar pela expressão descontente de Laredo, Sheila adivinhou que ele não conseguira fazer que Ráfaga mudasse de idéia. Mordiscando um canto do lábio, ficou imaginando se o pai havia oferecido menos dinheiro do que fora pedido para ela ser solta. Talvez Laredo estivesse disposto a aceitar menos. Ou, quem sabe, era o contrário. Durante todo o jantar, Sheila considerou as possibilidades. Se a sua concentração foi notada, ninguém fez comentários. Ninguém à mesa parecia estar com muita disposição para conversa, embora Sheila tivesse notado que Elena fazia tentativas sutis para se insinuar para o lado de Ráfaga. Quando a refeição acabou, Elena trouxe o café para a mesa. Sheila viu a maneira como a morena debruçou-se sobre Ráfaga, roçando deliberadamente os seios contra o ombro e o braço dele. Um arrepio de nojo a percorreu ante o gesto tão descaradamente sugestivo. Imediatamente, sentiu o olhar de Ráfaga. Passou sobre ela, aguçado, e no entanto estranhamente distante. Sheila fitou a superfície escura e espelhada do café, tão negra e inescrutável quanto os olhos dele. Ráfaga desviou o olhar e disse qualquer coisa para Elena. Fosse o que fosse, deixou-a uma fera. Uma torrente violenta de espanhol foi dirigida para ele. As mãos da morena fizeram um gesto de desdém para Sheila. De alguma forma, ela estava sendo, de novo, o motivo da discussão entre eles. Depois de duas respostas tranqüilizadoras que não surtiram efeito, Ráfaga deu bruscamente uma ordem. Lançando-lhe um olhar venenoso, Elena deu meia-volta e saiu violentamente porta afora. Sorvendo seu café, Sheila fitou os pratos sujos na mesa. Com um suspiro de resignação, empilhou-os e levou-os para a pia, deixando os homens à mesa, acabando o café. Sheila mal começara a lavar os pratos quando a porta se escancarou e Elena entrou, os cabelos escuros cobertos por um xale. Jogou o embrulho que trazia nas mãos para Ráfaga, e saiu. Sheila olhou para a trouxa de roupas multicolorida. A roupa suja dele? pensou, e um sorriso irônico lhe brincou nos cantos da boca. A porta batera com estrondo quando Ráfaga se levantou da mesa e começou a caminhar na direção de Sheila, levando as roupas. Ela enrijeceu o corpo, furiosa. Se ele achava que ela ia lavar as roupas dele, podia esperar sentado. Antes de entregar-lhe a trouxa, mostrou-lhe o conteúdo. Sheila fitou a parte da frente bordada de uma blusa e uma saia rodada carmesim. Havia sinais evidentes de uso, a fazenda esgarçando nas dobras da bainha. Eram roupas velhas de Elena, dadas de mau grado e com raiva. Sheila não se importava. A idéia de usar roupas sem botões arrancados ou que não acabavam sugestivamente no meio das coxas era atraente demais para ser recusada por causa de orgulho. O cobertor áspero do sari improvisado começou de repente a irritar a sua pele. Pegou, ansiosa, as roupas da mão dele e correu para ir se trocar no quarto, esquecendo completamente os pratos, na surpresa. A blusa ficava um pouco apertada nos ombros, e a saia estava curta. Não fazia mal. No que lhe diria respeito, serviam perfeitamente. Sua atitude se modificou depois que vestiu as roupas. Sheila sentiu-se repentina, embora temporariamente, alegre e despreocupada. Deslizou de volta para a sala, inconscientemente motivada por um desejo de exibir as roupas novas. Davam-lhe uma confiança que ela nem percebera que lhe estava faltando.

A Caricia Do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora