Giovana Leal

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Exausta, isso seria bem pouco para me definir nesse momento.

Minha saúde está cada dia me cobrando um pouco mais, o peso de trabalhar das quatro da manhã até as cinco da tarde. E ainda ter que enfrentar ônibus lotado para chegar a tempo de assistir a primeira aula na faculdade e por fim, meia noite estar em casa, para dormir no máximo duas horas e meia, e retornar para o bar.

Eu mal tenho tempo de comer ou conversa com a minha vozinha, isso é o que mais afeta, o tempo que eu não tenho com ela.

Mas todo esse esforço vai valer a pena quando eu for uma arquiteta renomada, quando todos reconhecerem meu trabalho.

Eu vou me sentir realizada quando der uma vida digna para minha avó. Eu sei que vai chegar o dia em que vou conseguir manter nossa casinha, seus remédios e que sua aposentadoria será apenas para que ela curta sua velhice.

Nossa vida não tem sido fácil nos últimos anos, desde que o vovô morreu estamos numa situação complicada. A miséria que eu ganho de salário, mal cobre as despesas da casa.

Me dói todas as vezes que ela me entrega sua renda, para me ajudar na mensalidade da faculdade e nas contas. As vezes mal sobra para seus remédios, então eu tiro da condução e vou trabalhar andando, por várias vezes até minha marmita eu vendo e passo o dia sem comer, para que ela possa ter sua dose diária do remédio.

A saúde da vozinha sempre vai ser o mais importante para mim.

A pensão que era direito da minha avó receber, o filho do primeiro casamento do meu avô quem recebe, mesmo sendo errado, ele contratou um advogado e coagiu minha avó a dar cartão e senha ou ele iria para justiça, nós gastaríamos um dinheiro que não tínhamos com advogados, então vovó achou melhor abrir mão, seria um dinheiro bem vindo, mas preferimos a paz.

Agora estou aqui dentro de um ônibus, com frio e totalmente cansada, ouvindo as gracinhas de uns adolescentes que aposto não ter nem idade para estarem sozinhos na rua a essa hora.

A noite está fria e chuvosa, o vento derruba coisas por onde passa, deixando tudo ainda mais assustador.

- Vozinha eu já estou chegando - sussurro sabendo o quanto ela tem medo de trovão. Espero que Douglas tenha aparecido para lhe fazer companhia.

Doug é meu amigo desde que eu me conheço por gente, passamos por vários perrengues juntos e apesar de todo caos que tira em torno das nossas vidas, eu sou muito feliz em ter um amigo tão bom, quanto ele é para mim.

Foi ele quem arrumou o emprego no bar, para que eu tivesse como colocar ao menos comida na mesa de casa. Ele costuma dizer que me levou direto ao inferno, mas a verdade é que mesmo que o senhor Alano arranque meu coro naquele bar, eu sou grata pelo pouco que eu ganho ali.

- Antes pouco, do que nada - resmungo e suspiro ao notar que já cheguei no meu ponto.

Desço do ônibus com minha sombrinha em mãos, mas ela não me protege em nada da chuva que cai ferroz do céu. Os pingos que encostam em minha pele, chegam a doer.

Apresso meus passos para fugir o mais depressa da água gelada e também pelo medo de andar sozinha nas ruas escuras do meu bairro.

Não posso dizer que onde moro é um lugar seguro.

Faltando poucos passos para chegar na minha casa,  ouço um barulho que me chama atenção, um choro fraco, imitando um miado.

Olho ao redor para procurar o animalzinho que claramente está assustado, mas não consigo enxergar absolutamente nada, o breu das ruas me causa pânico.

Ajeito minha bolsa no ombro, meu relógio marca quinze minutos para meia noite, olho mais uma vez para os lados e volto a caminhar rapidamente, cada vez sentindo mais medo de estar sozinha na rua escura.

Mãe por ACASOOnde histórias criam vida. Descubra agora