Resoluções (Não contábeis) - Parte 01

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Quando chegamos a mesa onde o almoço caseiro e cheiroso nos espera, sinto tanta dor no estomago que não consigo digerir direito. Acho que se deve ao impacto da notícia da morte daquela pessoa. Jamais desejaria a morte de alguém, mas como em novelas e filmes aguardamos que o vilão se vá para que o final feliz seja mais aceitável, na vida real há pessoas tão más que sua vida atrapalha e prejudica a de outras pessoas. Somos tolos em querer julgar esse tipo de coisa.

Penso em quantas crianças desaparecidas e campanhas frustradas pela sua recuperação. Pessoas "doentes" ganham dinheiro com o "comércio" de infelizes que tiveram a vida ceifada, malditos trocados manchados de sangue, sequestros que visam subtrair valores monetários e acabam por adicionar o trauma em vidas provocando danos quase irreparáveis...

Eu devia me sentir aliviado, mas porque não me sinto?

Valentin a quem eu só vi duas vezes, foi morto com um tiro no meio da testa e Rosa está desaparecida. O que será que deu na cabeça deles para se juntarem nesse ato desesperado? E porque o seu Camilo? O que será que ele não me disse? Sei que seu Camilo foi o homem que me ensinou contabilidade na prática e 100% das empresas são escrituradas na forma mais correta que é possível, pois tenho um CRC e por esse registro não me permitiria fazer "rolos" por cliente algum. Mesmo que o responsável técnico a assinar tudo seja seu Camilo, cobro do pessoal a máxima responsabilidade na prestação das informações ao fisco.

Passo o sábado encucado com meu patrão. Notícias não chegam.

Ao anoitecer nós pegamos um edredom emprestado para suportar o frio gelado do ar condicionado que Braz costuma pôr. Depois de um banho, dois pelados se enfiam embaixo das cobertas e se abraçam.

- Ficou quieto a tarde toda, amor.

- Estou com a cabeça cheia de perguntas. Você não acha que o seu Camilo tem alguma culpa no cartório? Porque queriam matar ele?

- Túlio, será que ele não sabia de coisas que poderiam trancar eles na cadeia. Você viu o que o médico ganhou, lembra do...

- Sei, não precisa detalhar. Mas o médico estava envolvido, será que meu patrão também estava? Seria a pior decepção da minha vida.

Braz está ali mais uma vez a me abraçar me dando seu calor que o ar gelado leva embora.

Seu corpo cheira a sabonete, meus dedos afundam nos pelos abundantes do peito dele, nossas coxas se entrelaçam, seus braços me enlaçam e o cansaço nos derruba até o sol alto do domingo.

Minha neurose não me deixa vestir a mesma roupa suada do dia anterior e Braz se obriga a ir buscar nossas coisas para não frustrar nosso final de semana. Fico deitado no colchão sozinho, pelado e preocupado com ele que saiu há quarenta minutos e não voltou ainda.

Começo a xingar-lo quando não atende o celular, levanto contrariado vestindo a cueca suada que estava no chão do banheiro até que finalmente ouço o som da caminhonete dele e gritos conhecidos de crianças. Enfio minha bermuda suja e desço a escada de madeira correndo para encontrar meus filhos enlouquecidos ao me verem.

- Te trouxe uma surpresa.... Gostou?

- Que pergunta... E a Ira.

- Ela me ligou aflita dizendo que não conseguia falar com você desde ontem e nem comigo. Daí lembrou que tínhamos planejado de ir ao interior.... Então quando atendi, ela me comentou sobre o seu Camilo e perguntei a ela se eu podia trazer as crianças para cá.

- Ela sabia?

- Sim. Foi quem me ajudou a escolher algumas coisas... cor de móveis e essas coisas que mulher manja.

Ativo e Passivo - No sentido não contábil - ORIGINALOnde histórias criam vida. Descubra agora