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Me permitam abrir um parênteses na história pra eu discorrer sobre mim e a minha sexualidade.

Umas das perguntas que mais me irritam ainda hoje é justamente: "qual a sua orientação sexual?" "Você é o quê?"

Acho tão vulgar a gente ter que se enquadrar em um padrão pré-estabelecido, só para deixar as pessoas mais tranquilas em seu modos de pensar: "ah, então ele é bi, entendi agora". Me sinto como um volume de 100 litros tendo que caber em uma caixa de 500ml.

Nós, seres humanos, precisamos parar de querer rotular todo mundo que encontra pela frente. "Aquela moça novinha com aquele senhor que poderia ser pai dela? Deve ser por interesse...", "ela é feia pra ele, nossa, coitado", "esse cara pobre com essa mulher milionária, hum, sei, amor, né...", "esses dois meninos só andam juntos, nunca vejo eles com namorada...". Muita energia gasta desnecessariamente.

O mundo hoje dá para a maioria das pessoas apenas três opções: ou você é hetero, se se interessa apenas pelo sexo oposto e sem nenhuma, observe, nenhuma confusão ou experiência diversa disso; ou você é homossexual, ou seja, só tem olhos para as pessoas do mesmo sexo. Se você ainda não se decidiu, ou se você gosta de um mas finge gostar do outro também por não se aceitar (olha que merda), ou simplesmente gosta de tudo mesmo, aí você é bissexual.

Desde a quinta série, quando estudei o conjunto dos números reais, sei que existem infinitos números entre 0 e 1; do mesmo modo, acredito que como eu, só existe eu, isso incluído a minha sexualidade. Gosto de meninos e meninas, mas tenho uma atração sexual muito mais forte por eles; tem épocas que só quero saber de um, ou de outro; adoro sentir o cheiro de uma moça perfumada, tenho tara por mulher de vestido. Adoro sacar os caras de corpo definido, ou de olhar sexy que passam; adoro flertar; adoro homem alto; adoro mulher pequena.

Como vou encaixar tudo isso em uma definição só? Tá, se é mais fácil pra sua mente acompanhar, sou bissexual, prazer. Mas eu prefiro encarar a pergunta: "O que você é?", respondendo: Eu sou Gustavo.

Mas é importante salientar, ainda, que essa descoberta, essa construção da minha visão de mim mesmo, se deu (e está se dando) bem aos poucos. Através de muito estudo, reflexão, conflitos internos, que cheguei à tal conclusão consoladora: eu não preciso ser isso ou aquilo: eu SOU, apenas.


Resumindo minha vida sexual/amorosa em poucas linhas:

- Aos sete anos, comecei a brincar de médico com a vizinha da mesma idade. A menina tinha talento desde cedo. Morria de medo de alguém nos flagrar e eu ir pro inferno, por que era pecado grave;

- Aos oito anos, aconteceu um incidente comigo (vou chamar de "incidente" até que consiga um dia contar pra vocês), que repercutiu pela minha família toda, me expôs e me travou completamente com relação ao assunto sexo;

- Aos dez anos, me apaixonei perdidamente por uma colega de classe. Depois de meses, tomei coragem e dei a ela uma bala icekiss, que tinha escrito: "uma bala por um beijo". Um colega meu pegou a bala, contou pra todo mundo e foi o assunto do recreio: "Gustavo tá apaixonado por Michelee ÊÊÊÊÊ". Ela nunca mais falou comigo.

- Uma outra colega minha resolveu me consolar, e fiquei apaixonado por ela dos 11 aos 16 anos. Nesse período, ela namorou com todos os meus amigos e conhecidos, mas eu nunca tive coragem de me abrir, porque eu "sabia" que ia ser rejeitado.

- Ah, aos onze também perdi minha virgindade. Uma vesga dentuça da minha rua tava afim, queria me mostrar a cria que a gata dela deu lá no quintal, e foi.

- Aos doze anos, brigando com a minha irmã, caí da cama e quebrei meus três dentes da frente. Minha mãe e meu pai eram duros – tratamento dentário nem pensar, então eu fiquei banguela toda a minha adolescência. Então, se eu já era uma pessoa segura e corajosa, agora já era.

- Se você queria sair com alguém e estivesse precisando de um castiçal, eu era a indicação perfeita. Perdi a conta de quantas vezes saí com os meus primos e ficava sozinho, esperando todos se armarem pra a gente ir pra casa. Aprendi várias técnicas de como se portar no meio de tanta gente se beijando: dançar que nem maluco, ficar bêbado, sumir e dizer depois que tava com uma galera...

- No início da vida adulta, frequentei alguns bordeis (aqui na Bahia a gente chama "brega", não sei como é no resto do país), acompanhado e por influência do meu tio e meu primo, que eram fanáticos por putaria. Sexo fácil, sem preocupações.

- Na faculdade, fui assediado por um colega e respondi: não, amigo, não curto.


No ponto em que estamos da minha história, lá em 2006, eu, apesar de estar consciente que os meninos me atraíam, não tinha coragem de sequer admitir pra mim mesmo; na minha visão, moldada pela minha criação católica, rígida e machista, era errado sentir isso. Confusão, algum distúrbio, o diabo atentando, não sei. Só não conseguia reconhecer o que era, de fato: natural. Como me sentia atraído também por algumas meninas, de vez em quando, pensava que estava vivendo uma fase, que ia encontrar uma moça pra casar e ter filhos, e me lembraria disso como algo da juventude que passou.

Mas, a Vida sempre trabalha para a nossa evolução, e mesmo que a gente queira ficar quieto em uma redoma ela dá um jeito de nos tirar de lá.

E assim foi. Como vocês verão daqui pra a frente, eu experimentei nessa cidade nova sensações indescritíveis; a paixão que me levou o equilíbrio, e também o Amor que me fez provar da tranquilidade e da completude de uma solidão a dois.


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