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A cena por si só já se explicava e, por isso, não tinha o que se dizer.

A posição em que eu o Murilo nos encontrávamos era por demais comprometedora; ele passava a perna por cima de mim, eu o afagava e ele me pegava pela cintura. Por isso mesmo, a única reação quando me deparei com a minha tia parada, no meio da sala, ali na nossa frente, foi me desvencilhar e me levantar prontamente.

- Tia Malu!

- Gustavo... o que é que tá ac..?

- A senhora tá acordada uma hora dessa? – tossi, de nervoso – O que houve?

- O que houve o que? – ela mostrou o cigarro que segurava entre os dedos – eu vim fumar!

Ela olhou pra mim e pra o Murilo, abriu a boca sem saber o que dizer, arfou e saiu para a cozinha. O rosto mostrava que ela estava transtornada. Murilo levantou e foi para o quarto. Fui atrás dela.

- Cadê o fósforo, meu Deus? Afff...

- Tá aqui, tia – me adiantei pra pegar – aqui, ó. Toma.

- Ela me olhou atravessado, suspirou e pegou a caixinha da minha mão. Virou as costas e foi até o quintal. Fui atrás.

- É... – cocei a cabeça pensando o que dizer – a senhora acordou por causa do barulho da gente? Foi mal, tia...

- Não, Gustavo. Acordei pra fumar. Não sabe que eu sou viciada? Não consigo levar a noite inteira, não. Sempre desperto já na vontade.

Ela acendeu o cigarro e me entregou a caixa de fósforo, me observando.

- Gustavo, meu filho... o que é que você e esse menino estavam fazendo na sala, uma hora dessa?

- Não, tia... É... tá todo mundo acordado ainda! É que a gente tava assistindo televisão enquanto o outro colega tomava banho. Quer dizer, ele tava esperando o outro sair do banheiro pra ir também.

- Hum.

- A senhora acorda no meio da noite pra fumar?

- Humrum. É um vício terrível. Nunca queira isso pra sua vida.

Ninguém sabia lá em casa que eu fumava.

- Comecei por causa de umas amigas, colegas do curso técnico. Viciei – deu uma tragada e bafejou – companhias, Gustavo, influenciam a gente a fazer coisas que... enfim, coisas ruins.

Eu não olhava diretamente pra ela, mas sabia que ela me olhava, e estava constrangido. Revia a cena toda hora na minha mente e o modo como ela falava me deixou completamente sem jeito. Pode parecer exagero, mas parecia que eu tinha voltado aos oito anos e tinha sido pego novamente com o meu primo, o gosto daquela cena foi o mesmo.

- Eu sei, tia. É ruim mesmo.

- Ainda bem que você sabe. Me conta, como foi hoje lá na rua?

- Ah, foi bom. A gente ficou lá nos barracões mesmo. Nem vi a Mirelle e a Clara.

- Deus é quem sabe daquelas doidas. Me disseram mais cedo que iam pipocar, mas que iam te procurar. Pra vocês ficarem juntos.

- Ela me falou que ia passar lá no Barracão. A gente não se encontrou. Tava muito cheio também né?

- Que nada! Elas são descaradas. Queriam pinotar por aí, e me falaram que ia ficar contigo pra eu não encrencar. Eu conheço o meu gado!

- Mirelle é uma santa. Não faria isso.

- Kkkkk! Só assim pra eu rir! Ó, terminei meu cigarro, é melhor a gente ir dormir. Será que o teu colega já foi tomar banho?

- Acho que sim, pelo tempo...

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