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Foi com um verdadeiro sentimento de luto que cheguei em casa, armei meu guarda roupa, minha cama e, enfim, me instalei novamente em Feira de Santana.

Passei por algumas dificuldades de adaptação. A começar que a nossa casa era muito pequena; consistia somente de dois quartos, sala, banheiro e cozinha. Tinha um quintal razoável e boa área de ampliação, o que faltava mesmo era o dinheiro de reformar e ampliar. Há muito que carecia de reparos, afinal de contas era um imóvel de quase quarenta anos que nunca sofrera uma intervenção, exceto uma ampliação boba na cozinha; tirando isso, ainda era a casa original entregue pela extinta Urbis para a minha avó lá nos idos de mil novecentos e setenta e tantos. Confesso que mais jovem sentia vergonha quando algum amigo ia lá estudar ou me visitar, porque tudo era caindo aos pedaços, as paredes, o telhado, os móveis. Só depois que entrei na faculdade e amadureci mais um pouco pude perceber que os amigos mesmo não deveriam ligar pra isso, eu não sou a minha condição financeira ou social, sou muito mais; logo, os que quiserem me limitar, não deveriam estar tão próximos a mim.

Além deste fator físico, já que eu iria dividir quarto com a minha vó, tinha algo chato em ter que de novo morar com a família. É muito difícil para uma pessoa que já saiu de casa e não tem mais que dar satisfações de horário ou companhias, ter que novamente fazer isso, sobretudo porque para a maioria dos pais, o filho pode ter noventa e cinco anos, não importa: se saiu, os velhos ficam preocupados em que horas vão voltar, se já se alimentou, ou se o amigo é de confiança.

Deprimi.

Eu tentava até disfarçar, para não ser descortês com a minha mãe, minha vó e com a Drica, que estavam esfuziantes por conta da minha volta (no domingo a minha mãe fez lasanha e pudim), mas acho que não consegui. O pensamento de que eu não iria mais conviver com o Edu e os demais diariamente me consumia; além disso, o Murilo não saía da minha cabeça, até porque eu não via como a gente não se afastar: ele fazia faculdade a semana toda em Salvador, nos finais de semana tentava tirar o atraso dos trabalhos e dar uma atenção à noiva-porre; eu, por outro lado, não me sentia à vontade de cobrar nada, enfim.



Ficava pensando se eu estaria fazendo tanta falta assim pra ele. O que ele faria nas horas em que antes dedicara a mim? Faltaria menos aulas ou se jogaria na esbórnia com o pessoal? Teria algum aperto no peito quando passasse em frente à sanduicheria? Ou agora estaria mais livre pra dar em cima de metade de Camaçari?

Deitei ao lado da Drica no domingo à noite pra assistir televisão, apoiando a cabeça na sua coxa.

- Tá assistindo o que aí, Drica?

- Silvio Santos. Quero ver se passa alguma pegadinha.

- E lá na Globo, não já começou o Fantástico não?

- Não, ainda tá no porre do Faustão. Ninguém merece.

- Domingo a televisão é deprê, né?

- É... – ela me olhava.

- Que foi?

- Ai, Gu... Que bom que tu tá aqui. Aqui em casa eu sozinha tava um horror, com essas duas se pegando...

- Aff, eu pensei que estivesse melhor...

- Queeee.... Aff, eu fico tensa... Já não basta a faculdade que tá me azucrinando...

Conversei um pouco mais com a minha irmã caçula e percebi que as coisas não andavam tão bem assim com ela. Nos últimos tempos, até por conta daquelas loucuras com o Murilo, eu andei um pouco alheio aos problemas domésticos, até quando passava os fins de semana lá era mais dando conta dos meus projetos. A felicidade da Drica em ter passado no vestibular tinha sumido, e ela agora estava com um comportamento meio estranho. Não falava de nenhum colega ou amizade que tinha feito, ou de alguma matéria que estivesse gostando. Sabia que não era bem o curso que ela queria, mas ela antes se mostrava satisfeita com isso, talvez não fosse bem o que ela pensava. E, com relação às amizades, sabia que a timidez da minha irmã atingia níveis estratosféricos às vezes, o que podia estar impedindo-a de estreitar laços com quem quer que seja. Não via como ajudá-la, senão dando conselhos para ela se destravar.

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