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Descruzei os braços e pus as mãos nos quadris. Nós dois estávamos em pé, naquela sala grande da república onde só existiam um bicama surrado e um computador.

Eu, enfurecido pelo fato de estar no meio daquilo tudo a troco de nada, coloquei toda a culpa nele por me ver exposto mais uma vez. Algo dos meus oito anos, e de outras situações constrangedoras de outras idades, ecoavam ali.

Ele continuava olhando pra baixo, sem ação. Ele não conseguia disfarçar certas coisas, muito menos manter uma naturalidade. Isso eu já podia dizer que conhecia dele. A maneira como ele cerrava os lábios e conversava olhando para todos os lados menos para mim, fechando os olhos sem querer abrir de novo, denunciava como ele estava sem jeito.

- Gustavo, o que foi que te falaram, hein? Cê tá falando de que aí, velho?

- "Tô falando de que"? Cara, todo mundo sabia, né? E eu, que nem um idiota no meio de...

- Sabia de que?

- DA MERDA DAQUELA FESTA! De você me deixar lá no meio da rua pra ir lá dentro espancar sua namorada!

- Gustavo...

- Vem cá, peraê: é tanta coisa assim que tu esconde de mim, é? Não tá nem sabendo de qual segredo eu tô me referindo... Porra... eu preciso especificar! – bati as mãos na coxa, coloquei na cabeça e fiquei rodando em círculos.

- AH, tá! Eu não te contei porque eu... sei lá... não achei necessário contar – olhou para o saquinho com o amendoim e o DVD que ainda estavam em sua mão, talvez pensando se ainda íamos fazer algo com aquilo – era uma coisa minha, e... além disso não teve importância nenhuma, foi uma briga... pronto – jogou o saco no bicama da sala e depois sentou, expirando o ar.

- Tanto não teve importância que você passou três horas no telefone com o Daniel depois com o Edu, e depois ainda pediu que ninguém me contasse.

Ele semicerrou os olhos.

- Ah, então quer dizer que foi a puta do Daniel que te contou? Sabia! Eu converso com ele uma coisa minha...

- Ele não me contou...

- ... PEÇO SEGREDO... sabia! Puta! Escroto!

- Ele não me contou porque quis não, meu filho, ele...

- Aposto que ele veio aqui na cidade e te procurou direto só pra falar isso, né?

- Ele não me contou porque quis! Ele pensou que eu já sabia!

- Tá bom! E eu sou idiota! Não precisa proteger, não, tá? Já sei o que rolou! Aliás, ele veio aqui só pra isso, eu tô achando...

- Para de ser imbecil, Murilo, que o Daniel é outro tipo de pessoa! Ele só foi colocado no meio disso porque eu joguei um verde pra ele! Tá, então eu sou idiota de achar que naquele dia vocês não voltaram para abrir o portão pra a gente porquê... esqueceram! Porque "a chave sumiu"! Aaah, me poupe!

- Tá, tudo bem. Mas foi uma briga minha com a Priscila, então...

- E com o meu nome no meio, que eu já sei, e todo mundo da família lá...

- ...e depois na segunda a gente nem se viu, e você tá sempre...

- Ah, para! Essa merda já tem quinze dias que aconteceu. Se fosse do seu interesse você me arrancava de casa pra falar – me sentei ao lado dele – Olha, o que está em questão não é nem isso, Murilo. É a sua cara de pau de sair contando pra todo mundo menos... pra mim. Você tem noção? Eu fiquei morrendo de vergonha do Dan contando aquelas coisas, aquela baixaria com meu nome, é que você não viu a cara dele falando que a gente... depois o Edu, que convive comigo todo dia, também sabendo, e você ainda pedindo segredo pra eles? O que esses meninos devem estar pensando?

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