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Enquanto conversava com o Edu, o meu devaneio me levava pra um lugar onde eu pudesse entender certas coisas.

Enquanto eu ainda estava envolvido pelas sensações do café da manhã, o Murilo já estava transando com outra pessoa. Logo, tudo aquilo que tivemos mais cedo - o carinho, os cuidados, as conversas, o sanduíche - só repercutira em mim, certamente. Para ele, não passou de um café da manhã com um amigo, colega, conhecido, de quem ele tem uma certa simpatia.

Claro! Como não pensei nisso antes? Estava ocupado em me deixar levar pelas minhas fantasias românticas, em acreditar que, por conta de um momento frugal, ordinário, cotidiano, entre duas pessoas próximas, dali sairia uma grande história de amor que me arrebataria e me provaria que, sim, vale a pena se entregar. Os meus delírios não levavam em conta certos fatos concretos que soprariam a fumaça das ilusões: ele tem noiva; ele tem outras; ele é só um amigo. Que curte a minha companhia, mas, ainda assim, só um amigo.

E me dei conta de que, se está doendo, é porque eu estou apaixonado.

E me dei conta de que eu não tenho nada a cobrar de ninguém. Talvez de mim mesmo, de não esquecer, ao caminhar por essas vias tortuosas dos relacionamentos com os outros, que talvez o Amor não tenha sido feito para mim.

Estava precisando de Chico.

- Edu, vou pra minha sala. Vou tentar recuperar esse resto de manhã pra trabalhar, tá?

- Tá. Daqui a pouco a gente vai almoçar.


Acho difícil encontrar alguém que saiba exprimir sentimentos como o tal do Chico.

Confesso que sou um pouco retrô quando o assunto é música, me perdoem, me considero até eclético nesse quesito, porém as que conseguem me arrebatar geralmente são as mais velhinhas.

A música consegue me transportar, traduzir certos sentimentos, enfim. Para mim é uma terapia eficiente.

E gosto muito das letras do Chico Buarque. Tem uma, em especial, chamada Futuros Amantes, que considero especial, principalmente depois que assisti a uma entrevista sua, em que explicava o porquê de tê-la escrito:

"...surgiu a história de um amor adiado, um amor que fica para sempre. Essa ideia do amor como algo que pode ser aproveitado mais tarde, que não se desperdiça. Passa-se o tempo, passam-se milênios, e aquele amor ficará até debaixo d'água. Um amor que vai ser usado por outras pessoas, um amor que não foi utilizado porque não foi correspondido, e então ele fica ímpar, pairando... Esperando que alguém o apanhe e complete a sua função de amor."


Há alguns anos tivera contato com essa entrevista, e, como nessa ocasião, e mais uma vez, estava eu no meio de uma história de amor platônico, caíra-me como uma luva. Me traduziu. E desta vez também.

Entrei na minha sala, estava somente o Otávio. Conectei o fone de ouvido e deixei o Chico falar: "Não se afobe, não, que nada é pra já; o amor não tem pressa, ele pode esperar em silêncio, num fundo de armário, na posta-restante, milênios, milênios no ar..."

"Não se afobe, não

Que nada é pra já

Amores serão sempre amáveis

Futuros amantes, quiçá

Se amarão sem saber

Com o amor que eu um dia

Deixei pra você"


- Tá concentrado mesmo aí, né? Nem ouve o celular tocar - me alertou o Otávio.

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