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29 de abril de 2008.

Um beijo na boca de outra mulher, ou um beijo na boca de outro homem, é um beijo na boca de outra pessoa.

Os dentes estão ali, onde deveriam estar. A língua, a temperatura interna, a saliva; a respiração suspensa, aguardando pacientemente a hora de voltar... Os, olhos, por vezes fechados, para facilitar a imersão do ser naquele universo sensorial, as vezes abertos, para ver de perto o que o ser vivencia.

Tanto faz, porra, se a outra pessoa é do sexo oposto ou do mesmo sexo. É uma outra pessoa, ponto.

Foi com uma certa dose de surpresa que eu cheguei a essa conclusão enquanto dirigia de volta à empresa e fingia prestar atenção ao que o Edu falava. Sempre achei, no meu íntimo, do alto da minha ignorância e falta de experiência, que no momento em que tocasse os lábios de outro cara, aconteceria algo como atravessar um portal secreto, de onde não poderia voltar pra o lugar em que antes me encontrava; passar de fase no game da minha vida, ou, me tornar uma pessoa diferente, de modo que todos que cruzassem comigo de alguma forma sentiriam isso. Eu seria um homem que beija outro homem, que é muuuito diferente de um homem que de vez em quando pensa em beijar outro homem.

Tudo bobagem, óbvio, delírios de uma mente presa na infância emocional.

Pois bem, numa tarde qualquer, depois de um almoço como tantos outros, experimentei meu primeiro beijo gay. Foi muito bom, meu corpo todo respondeu imediatamente, mas a verdade é que dali em diante a minha vida continuava a mesma, eu era o mesmo, enfim... estava descobrindo o óbvio: não tem nada a ver ficar diferenciando se o amor, atração ou sei lá o que é por alguém do mesmo sexo ou não.

Chegamos no escritório da firma e a Valquíria ainda não tinha chegado, apesar de já ser quase três.

- Nossa, será que a Val vai demorar ainda?

- Ela avisou que ia ter reunião na diretoria uma e meia, né? Deve ter esticado. Senta aí, pô, espera mais – o Edu indicou uma cadeira, ele e a Valquíria dividiam uma sala – tá com pressa assim porque, cê quer voltar ainda hoje pra Feira?

- Sim, eu marquei de fechar essas coisas com ela hoje e já iniciar os trabalhos amanhã, pra ver se dá pra entregar na semana que vem. Se demorar muito aqui vai me atrapalhar todo, não posso perder o foco do trab...

O telefone tocou, interrompendo o nosso diálogo.

O Edu atendeu, e olhou pra mim, passando o aparelho.

- É pra você.

- Pra mim? – peguei o aparelho, pensando ser a Val – oi!

- E aí? Tá tudo bem?

Era o Jimmy.

- Ué? Ligou pra a sala da doutora pra falar comigo? Hahaha!

- É, rss, é o número da sala do Edu, eu sempre ligo pra ele daí. Tentei aventurar pra ver se falava contigo, ouvir a voz, e tal...

Minha bochecha ferveu na hora, olhei pro Edu que olhava pra mim, e dei graças a Deus que a minha orelha estava bem grudada no fone.

- Ah... sei.

- Hehe, o Edu tá aí do lado, né?

- Sim, sim.

- Deixa eu falar então porque eu liguei. Cê lembra quando a gente tava conversando lá na Micareta sobre aquela série que você gostou?

- Os Maias? Sim!

- Pois é, então... Eu liguei pra um colega da faculdade, ele tem os DVD's, a série completa...

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