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05 de outubro de 2007.

A luz do sol há muito já invadira o quarto, convidando-nos para despertar e enfrentar a rua. Só o corpo não conseguia obedecer.

Abri os olhos e a primeira visão que eu tive foi a do Murilo, dormindo no bicama ao lado, de boca aberta, como sempre. Estava de bruços, mãos enfiadas na cueca boxer, respiração profunda, sem nenhuma mostra de que estava disposto a acordar. Esfreguei meus olhos, me espreguicei e virei de lado. Estendi o braço até encontrar o seu ombro. Alisei suas costas suavemente, até vê-lo começar a balançar as pernas.

- Lilo... acorda...

- Hum...

- A gente deve estar atrasadão...

- Humrum.

Fechei os olhos novamente. O celular tocou e era a Valquíria. Levantei de um salto. Oito e vinte!

- Bom dia, Gustavo?

- Bom dia, Val.

- Onde você está?

- Estou indo pra o Galpão... e você? - pergunta idiota.

- Eu estou no Galpão, aguardando. Só está faltando você para iniciarmos aqui uma pequena reunião.

- Ah, tá... certo - balancei o Murilo novamente e ele me olhou irritado - Eu tive um probleminha aqui, mas já tô chegando.

- Ok. Por favor, não demore - desligou.

- Puta que pariu. Murilo, meu fi, levante. Hoje eu consigo levar uma comida de rabo, hoje eu consigo! - corri pra pegar a toalha no quintal.



Tomamos banho e nos arrumamos. Murilo vestiu a farda do dia anterior mesmo, ainda sonolento. Não tinha farda dele no guarda roupa, pois o combinado de trazer parte do seu vestuário só havia sido cumprido em parte; apenas alguns shorts, uma camiseta e duas cuecas. De qualquer forma ele disse que não estava muito suja, e que daria pra usá-la mais uma vez sem maiores problemas.

- Não tá suja, não. Eu nem trabalhei ontem direito mesmo, né?

No dia anterior, depois do almoço, inventamos uma vistoria e ele me levou para um bar escondido na rodovia. Eu tinha começado um curso prático de sinuca, e ele pacientemente tentava me explicar os truques. Mentira, não era pacientemente, não. Ele toda hora me chamava de burro e eu me irritava. Mas gostava quando ele vinha me ensinar a pegar no taco direito. Quando saímos da estradinha, no final da tarde, passamos pela frente de um motel na BR e eu fiquei pensando que se alguém nos visse ali, aí o boato ia tomar proporções gigantescas e avassaladoras: horário de trabalho, o casalzinho gay, no carro da empresa.

Pegamos meu carro, encontramos o Edu e fomos pra outro bar. Juntamos a Solange, outras meninas e outros garotos, e começamos uma festa de pré-aniversário. Eu e o Murilo, como sempre, saímos por último do bar, ele me seguiu de moto até em casa, ficamos conversando até umas três no carro ouvindo um CD que ele tinha posto no meu aparelho e eu capotei. Acordei umas quatro horas, ele dormia no banco do carona que já estava reclinado, e o som ainda ligado tocando o "Bonde do Maluco". Arrastei o bicama e depois arrastei o Murilo até o quarto e dormimos.

Então, nesta manhã, enquanto eu ainda me arrumava, ele, como já estava pronto, adiantou para a varanda procurando as chaves da sua moto e acenou, dizendo "a gente se bate lá".

- Pera, me espera... Já tô saindo! - gritei do quarto.

- Não, eu vou logo. Você demora demais. Valeu. Cadê minha chave? Cadê meu chaveiro?

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