Levamos por volta de duas horas pra colocar a casa em ordem, parecia-nos que todos os objetos, móveis, sem exceção, estavam fora do lugar. Essa impressão, acredito, era causada pela preguiça que tinha encarnado em nossos corpos.
Enquanto a gente dava conta do serviço, íamos repassando os acontecimentos dos últimos dias. Minha mãe dizia que a melhor parte da festa era o depois, na hora de se juntar pra fofocar. Ela me contou dos dias em que pulou no bloco dos coroas com a tia Malu, e depois encontraram a tia Ivone no camarote dela e acabaram subindo.
- A gente pongou lá, mas saímos logo. Muito melhor pipocar do que aguentar a ladainha de Ivone no ouvido. Kkk! Tu acredita que ainda insiste em implicar com o corpo da gente? Agora veja, aquele mamute...
Minha tia Ivone, que nem era irmã de ninguém, só amiga íntima das duas, pesava uns 250kg, mas insistia que não era gorda, ela só tinha o estômago alto. "Dá uma impressão errada", ela repetia, com as mãos espalmadas fazendo o movimento de uma bola. Tinha dinheiro, comprava camarote todo ano, mas não conseguia companhia que aguentasse as suas conversas.
- Ai, ai. Tia Ivone é uma figura.
- E tu, Gustavo, tá aéreo? Tá nesse plano, ainda? Rsss...
- Ai, mãe, tô cansado. Tu não sabe o que é dormir com mais três no quarto esses dias todos. O Edu, conversa a noite toda, debatendo assuntos sozinho; o Murilo não para quieto no canto...
- Esses lençóis todos eu vou lavar, viu? Estão podres. Ah, e tu acha que lá no meu quarto foi fácil também? A caipora da Malu levanta de duas em duas horas pra fumar... Meu Deus.
A tia Malu. Nossa... Tinha até esquecido. Será que ela havia falado algo com a minha mãe? Pela sua reação, eu achava que não, mas não significava que ela não falasse posteriormente. A tia Malu tinha um dom esquisito, conseguia gravar em sua memória acontecimentos e, assim, do nada, trazê-los à tona. Cansei de presenciar conversas das duas em que ela, do nada, fazia um aparte: "Ah, Stela, por falar nisso, esses dias eu lembrei daquele verão de 79, se lembra? A gente tava na praia, era 11 de fevereiro, eu tava com aquele biquíni azul e amarelo e você derramou cerveja na minha canga. Voltei pra casa toda peguenta".
Então, até o ano de 2040, ou enquanto ela vivesse, não tinha chance de eu me livrar desse assunto, tão logo ela quisesse retomar.
Terminado tudo, eu me joguei na cama do meu quarto, agora parecendo enorme depois da desocupação. Deitei, mas não dormi. Por algum motivo, a minha mente não aquietava, a despeito do meu corpo estar cansado.
Foi muito legal poder reunir alguns dos meus melhores amigos, juntá-los numa só ocasião; sempre gostei de misturar as galeras, me divirto muito. Então, só por isso, já teria muita coisa pra contar. Mas, além disso, algumas coisas inesperadas surgiram.
Dizer que eu estava preparado para uma investida do Murilo era mentira, depois de meses em que tivemos um contato mínimo, e sabendo que ele estava cada vez mais empolgado (e enrolado) com aquela nova figura que aparecera das profundezas para me jogar no limo. Eu não contava mais com nenhum tipo de aproximação com ele, nem ousava alimentar esperanças de que algo mais acontecesse. Além de uma distância geográfica, de uma convivência que não existia mais, havia a separação emocional, sentimental, sei lá. Só sabia dele pelos meninos, seus planos pareciam refeitos; ele parecia outro por conta da nova paixão. O que poderia estar acontecendo na vida dele, portanto, que justificasse aquela (nova) mudança? Meses depois, do nada, esse rapaz me aparece, me espreme roçando em mim toda a sua virilidade, ousa em carinhos inéditos e audaciosos; esquece qualquer tipo de pudor; chama a minha mãe de sogra; e, por último, me revela tudo o que sentiu no dia do seu aniversário com a minha ausência.
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Sobre o Amor
RomanceA história real que começou a ser contada no Orkut, vem para ser concluída aqui no Wattpad. Há alguns anos, cheguei numa cidade desconhecida para começar a minha carreira de engenheiro. O que eu encontraria ali, nunca poderia prever. Um hétero convi...