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08 de maio de 2008.

Não tenho muita paciência pra aula.
Adoro estudar, até me considero CDF e tudo, porque gosto de meter a cara nos livros. Mas, aula... não consigo focar por muito tempo; fico procurando conversa, dormindo, viajando ou simplesmente fazendo outra coisa, algum trabalho atrasado. Já fazia dois anos que não sentava em uma carteira, achei até que ia gostar, mas depois de vinte minutos já tava chateado. E a Lenita não me dava bola, era do tipo que não desgrudava o olho, toda participativa, e quando começava a querer anotar, parecia um Chico Xavier. 
A quarta tinha passado super rápido, e a quinta estava indo no mesmo ritmo, graças aos coffee-breaks do CREA (melhor parte do curso), que davam uma quebrada naquela coisa maçante. Era um às dez e meia e outro às quatro da tarde. Tinha todo tipo de salgado, frito, de forno, frutas, e doces também. Tinha sempre uma torta confeitada e outra salgada. Eu nem almoçava direito de tanto que eu comia. Depois eu dava uma afastada da mesa e ia fumar, porque não queria que me associassem à Leni, enchendo uns copos descartáveis "pra mais tarde, nunca se sabe".
No meio da tarde o Edu me mandou um torpedo. Estava chegando em Salvador no início da noite, ia aproveitar a sexta pra resolver umas coisas no banco. E que o Jimmy estava indo com ele.
Tinha uma ligação perdida do Murilo, mas eu não retornei, simplesmente porque não saberia o que dizer, nem o que eu queria daquela noite. Quer dizer, queria um jeito de ficar com o Jimmy, mas, as circunstâncias estavam cada vez mais trabalhando contra. De qualquer forma eu já sabia que ia ser assim.
Avisei à Lenita que iam dormir dois colegas lá no apê dela com a gente, ela nem ligou. Só, do jeito dela, fez as observações de praxe:
"Cada um que leve seu lençol, sua toalha, seu sabonetezinho, e sua comida"
"Tu sabe que lá é um cafofo, né? Só tem um quarto, que é meu, vocês se viram na sala lá"
"Sujou, lavou, viu, broder"
"Deixou luz acesa paga a conta do mês todo"
"Tomou banho, passa o rodo no banheiro e o pano no chão. Se enxuga dentro do box, pra não sair melando tudo..."


- A galera é gente boa? – ela perguntou enquanto íamos à rodoviária pegar os dois.
- É, sim. São meio doidos, né, Leni, mas..
- Se fossem certos não andavam contigo, né, Gustavo, por favor!


Os dois já estavam na área dos táxis quando chegamos. Acomodaram-se nos bancos traseiros e fomos pro apê.
- Leni, esse é o Jimmy, e o outro é o Edu. Colegas, essa aqui é a minha sócia que eu falei, a Lenita...
- Tudo bom?
- Prazer!
- É Jimmy, mesmo o seu nome? Menino... 
- kkk!
- Não, é apelido. Meu nome mesmo é Jefferson, mas...
- Muito melhor! Oxe!
- Que é isso, louca? Deixa o menino! – já reprimi a Lenita, sempre tão folgada e intrometida.
- Deixo não. Jefferson é muito melhor, que negócio de Jimmy... é o que? Por causa do guitarrista?
- Ela se mete em tudo mesmo, Jimmy, liga não. 
- O pessoal pode continuar me chamando de Edu..? – o Edu não deixava barato, sempre provocativo. Todo mundo caiu na risada.
- kkkkk! Pode sim! – Leni se divertia – Edu tem a ver com Eduardo, que é o seu nome. Entendeu?
- Olha aqui, ó – Edu continuou, apontando pro Jimmy – foi falar do nome do cara, já tá aqui todo amuado...
- Tô nada, Edu, colé a sua? – o Jimmy estava vermelho, tímido que era.
- Tá sim, tá com uma cara de xibiu. Ô, foi mal, Lenita, esqueci que tinha moça no carr...
- Hahah! Queria ele ter uma cara de xibiu! Tava todo mundo atrás dele! Kkkkk!
- Jesus, Leni! – eu ri da loucura da colega, olhei pelo retrovisor o Jimmy também ria, daquele jeito dele, meio sem graça. O Edu completava:
- E se ele quisesse, era só se olhar no espelho...
- Pois é! E começar a se lamber! Kkkk!
Lenita não tinha jeito. Todo mundo caiu na risada dentro do carro.


- Gente, o apartamento é isso aqui mesmo, não precisa de excursão pra conhecer não. Ali é o banheiro, a outra porta é o meu quarto, e aqui onde estamos é a sala. Pronto! Ah, ali é a cozinha. Sujou, lavou, já sabem né?
- Já sabemos, rsrs – os meninos começaram a despejar as sacolas nos cantos da sala.
- Tem dois colchõezinhos embaixo da minha cama, Gu, que se juntar, dá um, porque são muito fininhos. Pega lá. Gente, aí ficam apenas dois colchões, com esse do Gustavo que já tá aqui na sala, alguém trouxe alguma coisa pra se estirar?
Edu respondeu:
- Eu trouxe meu colchonete...
- Ah, pronto, então tá todo mundo acomodado. Vocês vão sair ainda?
A gente se olhou. 
- São que horas?
- Sete e quarenta.
- Ah, sim. Vamos sair pra comer alguma coisa, né, Gustavo? – o Edu perguntou – eu tô morrendo de fome...
- Ah, gente, se quiserem, ó – a Lenita abriu a bolsa, e sacou de dentro três copos descartáveis cheios de salgadinhos – eu trouxe lá do curso.
O Edu arregalou o olho, e o Jimmy veio pegar os copos. Os dois avançaram.
- Porra, Lenita, curti a iniciativa viu. Tô numa fome do cão... – o Edu já de boca cheia.
- E esse aqui ó – apontou pra mim com o polegar – com vergonha de mim! Porque eu pego mesmo, ora... Paguei!
- Pois é! 
- Ele sai de fininho, haha, otário. Tá vendo? Já alimentou os seus colegas...
- Mas a gente vai sair ainda, né? Gente, não guento mais comer isso, dois dias já!
- Vamos sim. 
- Ó, o farelo tá caindo no chão. Vou apresentar a vassoura a vocês. Sujou, lavou!
Todo mundo riu de novo.
O Edu olhou pro celular, que estava tocando.
- Ó, é o Murilo. Alow...
Enquanto o Edu conversava com o Murilo, o meu olhar se encontrou com o do Jimmy. Felizes por estarmos perto um do outro novamente, porém com aquele bloqueio invisível que nos deixava inacessíveis. Ele mandou um beijinho sem ninguém ver e eu retribuí, piscando o olho. A Lenita entrou no quarto dela pra procurar uma muda de roupa, e de lá continuava gritando que podíamos ficar à vontade.
- Murilo tá aqui dizendo que você não retorna pra ele. Disse que lhe deu um toque e nada – o Edu continuava ao celular.
- Tô com pouco crédito – respondi.
- Tá dizendo que é pra você pegar ele lá na faculdade dele quando a gente for sair – voltou a boca pro fone do celular – não rola nem um "por favor", mais né? "se der..." É uma ordem... Umm... Vá se foder você.
- Pronto, já começaram, Jimmy – me aproximei dele – cê quer se trocar, tomar banho, antes de sairmos?
- Não, eu tomei banho logo antes de vir pra cá, tô de boa... ou será que tô fedido?
- Não, tá cheirosinho... quer dizer, queria conferir mais de perto, né?
- Rss – diminuiu a voz - tô amando te ver de novo. De perto.
- Adorei que você veio – sussurrei.
O Edu desligou o celular.
- E ai, galera, vamo? – gritou para a Lenita no quarto – minha senhora vai?
- Vou não, filho - ela veio do quarto, com uma toalha no braço e uma muda de roupa – tomar um banho e capotar. Amanhã ainda tem aula... né bacana? – virou pra mim.
- Tô ligado, amiga. Relaxe que a gente vai só espairecer, molhar as palavras...
- Sei. Gente, vocês vão ficar até que dia?
- Ih, já tá botando pra fora... – o Edu respondeu.
- Kkkk! Não, idiota! É que amanhã aqui tem Estakazero, no Bahia Café. Vocês não se animam, não? Um forró?
A gente se olhou. O Jimmy respondeu:
- É. Ensaios de São João, né? Toda sexta tem.
- Pois, então, minha amiga disse que é ótimo, tem Cangaia de Jegue antes... se vocês se animarem a ir...
- Umbora, sim, né, Jimmy – ele só assentiu com a cabeça.
- Gente, vamos? O Murilo disse que tá lá esperando, o folgado.

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