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- Se estiver doendo a senhora fala, viu?

- Não, não está.

- Quer tentar sentar novamente?

- Hum. Quero, sim.

- Então vamos. Assim... isso. Pera, vó. Devagar!

Todos os dias, pela manhã, antes de sair, eu passava os remédios de uso tópico nas costas da minha avó e instalava o colete. Era uma armadura de metal envolta por espuma e forrada com napa que ia do pescoço até a lombar, fechando tórax e costas através de oito cintos laterais. Só de colocar me dava agonia, não sei como ela aguentava ficar o tempo todo com aquilo. A ideia era que ficasse apertado, para que a coluna pudesse ficar apoiada.

- Vamos sentar de novo? A senhora é muito teimosa. Eu soube que ontem ficou a tarde toda sentada assistindo tevê, não pode!

- E quem aguenta ficar deitada o dia todo? Fica aí você, pra ver se consegue...

- Largue de ser rabugenta. O médico disse que a sua recuperação está ótima, daqui a duas semanas já pode ir pra a cadeira de rodas definitivamente, não só uma hora ou outra... quem sabe? Depende agora do seu comportamento. Levante o braço pra eu passar a fivela. Isso.

- Esse colete é uma desgraça. Uma desgraça.

- Pare de xingar, minha mãe! Ave Maria! A coisa já tá boa aqui!

Era a minha mãe que gritava da cozinha. A minha avó estava insuportável aqueles dias, reclamando de tudo, desde as dores até a sopa sem sal. Aí falávamos com ela pra ter paciência, e ela ficava horas calada, de cara fechada, macambúzia. Eu tentava consolá-la como podia, até porque compreendia de certa forma a sua situação; para uma pessoa ativa como ela, o repouso absoluto era praticamente uma pena de morte.

- Ah, e o seu médico falou que se continuar assim, daqui a duas semanas a senhora nem precisará usar mais o colete! Êta coisa boa, hein?

- Ah, aí sim. Jogo essa miséria fora!

- Engraçado é o médico dizer que a senhora ia usar isso três meses. Com um mês e meio, joga fora. Dividi em três vezes essa merda! Hahaha.

- Quanta despesa você tá tendo com essa velha, hein, meu filho?

- Ah, vó. Relaxa.

- Já não basta a Drica. Você conseguiu a psicóloga?

- Falei por telefone ontem de noite. Relatei que as aulas da Drica começaram, e que eu tava com receio porque ela tava calada novamente, ela disse que era pra eu levá-la amanhã lá no consultório. Vamo ver.

- Gente, eu não sei o que essa menina tem. A minha neta sempre foi tão centrada... Era calada, tudo bem. Mas estudiosa, nunca deu trabalho...

- Levanta o outro braço, vó. Isso. Mas ela vai melhorar. Isso de ter largado o tratamento não foi uma boa ideia, não. Se o CAPS não tinha condições, éramos pra ter todo mundo juntado o dinheiro e visto logo um particular. Não estamos tendo que fazer isso agora?

- É. Mas a despesa é muito grande. Já tem a sua mãe aí, que uma hora tá boa, outra não. É um inferno.

- Pshh! Pronto, acabou. A senhora quer ficar um pouquinho na varanda, olhando a vida dos outro? Se quiser eu deixo lá enquanto eu tomo banho. Agora temos varanda coberta!

A casa que tínhamos alugado era, de fato, muito boa. Tinha garagem e varanda coberta, uma sala de estar, sala de TV, três quartos e dependência para a empregada invisível. Muito bem ventilada e iluminada. Tinha uma área aberta, mas coberta, no quintal, onde colocamos a mesa de jantar, então todo dia jantávamos fora. Finalmente eu tinha um quarto só meu, e minha avó um só dela. A minha mãe e a Drica ficaram no terceiro quarto, que era uma suíte. Achei, no final das contas (e quantas contas) que iria valer a pena o esforço.

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