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Tenho uma receita para ressaca que, pra mim, pelo menos, é infalível: acordo, ando até a feira do meu bairro, e procuro a barraquinha de pastel. Geralmente esses pasteis-de-feiras-de-bairro daqui têm somente três opções (queijo, carne e frango), e, sempre, ao lado, tem uma barraquinha de caldo de cana. Pois foi isso que eu fiz.

A cabeça ainda latejava a cada passo, coloquei um boné pra me proteger do sol e pedi um pastel de queijo e meio litro de caldo de cana. Sentei num banquinho gentilmente oferecido pelo proprietário da barraca e fiquei ali, comendo o pastel pelas beiradas até chegar ao recheio, observando as senhoras passarem com as suas sacolas carregadas de hortifrúti e cheiro verde, num ritual que repito há anos.

Eu não estava me lembrando o porquê (exatamente) da minha briga com o Dan. Lembro, sim, de não ter gostado do fato de ele ter ficado com a ninfo, mas a confusão, hoje, carecia de sentido. Ele parecia não querer ficar com ela, mas... e se quisesse? Acho que eu não iria gostar do mesmo jeito.

Quando a Rose me confidenciou que havia se interessado por ele, eu, apesar de dar força, senti uma pontada de ciúme. Ao mesmo tempo feliz por ele ter sido tão bem aceito no meu rol mais íntimo (acontece isso comigo: gosto quando meus novos amigos se juntam com os velhos e se entrosam, dá uma sensação boa, de que eu vou chegar ao milhão de amigos que Roberto cantava lá em 1970...).

Deu vontade de ir na casa dele. Mas ele tinha me falado que ia viajar cedo, pra aquela cidade distante, passar a sua última semana lá. Ligar. Mas, falar o que? Pedir desculpas? Não achava que eu tivesse culpa. Deixar ele falar e perdoá-lo, como todo bom amigo? Não achava que ele tivesse culpa.

Será que aquela briga aconteceu mesmo ou foi sonho de bêbado confuso? De repente até ele me liga e eu falo: "Dan, eu tô me lembrando que eu te chamei de idiota e você me chamou de patife...", e ele responde: "isso deve ter sido sonho, pô, vamo almoçar hoje?"

Tô mal. A glicose da cana deve atuar na melhora física, pelo menos.

Me levanto e me espreguiço. Uma cena tocante toma a minha atenção.

Do outro lado da rua, um senhor de mais ou menos quarenta anos anda de bicicleta. A bicicleta tem uma cesta improvisada no quadro, uma cadeirinha de plástico, onde está instalada uma criança de uns quatro anos. O menino, moreno, cabelo liso esparramado e covinhas nas bochechas, segura um pastel na mão, e ri, sem parar, conversando com o homem, que se esforça em equilibrar-se, visto que carregava o menino, as sacolas e a própria bicicleta em meio ao tráfego intenso de pessoas. A cena que me vem à mente é a do Benigni em "A Vida é Bela".

Eles param. O homem espera os transeuntes. Ele está com uma cara de felicidade ao ver o sorriso do filho, mas algo de triste em seu rosto impera, como a de quem está em uma guerra e, no meio da rotina de sangue e morte, sorri, com uma flor que avista.

O homem olha em minha direção, procurando algo. Num impulso, me meto atrás da barraquinha de pastel, me escondendo.

Não queria que o meu pai me visse.


Cheguei em casa com pasteis pra o pessoal, e um frango de padaria pra o almoço. O clima tava estranho. Drica me contou que minha mãe e minha vó tinham brigado. Algo com relação às críticas de vó Liza, porque minha mãe tinha gastado demais com a festa, a gente tendo tantas dívidas, etc. e tal. Era exagerada, descontrolada, e não sei o que mais. D. Stela chorava no quarto.

- A senhora também, eu vou te contar, viu? Fica quieta, merda! – Esbravejei em cima da velha ao lançar as sacolas na mesa da cozinha.

Tomei banho, um dorflex, assisti televisão, cochilei no bicama da sala, acordei com os risos da minha mãe com a Drica no quarto.

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