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Iniciativa nunca foi o meu forte.

A arte da sedução era uma coisa desconhecida para mim; as meninas que eu costumava pegar, ou davam o primeiro passo, ou já estavam, como dizia o Di, galinha morta; eu era cagão mesmo, no fundo, tinha o receio de uma negativa. Na verdade, nem era assim: para mim, o não era sempre o que eu esperava receber, muito reforçado pela aparência da época de adolescente, cheio de espinha, banguela e desajeitado.

Com homem, então, pff, nem se fala. Aquela seria a primeira vez que eu investiria em alguém do mesmo sexo, e as dúvidas só se multiplicariam. Se a pessoa em questão, fosse o Murilo, aí além disso seria bom elevar à enésima potência.

Procurei nem pensar mais nisso e me pus a raciocinar em como eu começaria aquela conversa, tão complicada e ao mesmo tão simples. É fácil de entender, difícil de explicar, como dizia Vercilo.

Pensei em começar retomando a nossa conversa do carro, em que eu neguei veementemente qualquer inclinação nesse sentido. "Olha, Murilo, deixa eu retificar algumas informações..." ou simplesmente ser direto e falar de uma vez:

"Te chamei aqui pra te dizer somente uma coisa, eu gosto de você e não é só como amigo, gosto mesmo, estou apaixonado..."

"Não precisa se preocupar se não for recíproco, pretendo não te atacar nem nada... só queria que você soubesse, e tal..."

Esperaria um murro, ou um beijo.

Tinha outra dúvida: esperaria pra dizer no final da noite, quando já estivéssemos na casa dele, ou logo no início, pra acabar com essa agonia? Não sabia se era melhor que fosse em lugar público, ou no seu quarto, nem se esperava ele ficar bêbado pra facilitar a minha vida, afinal de contas tinha aquele estudo das moscas drosófilas... não sei.

Bom, o resultado desse devaneio todo ao dirigir foi: o sinal ficou vermelho, o carro da frente parou e eu não consegui frear (a distância de onde a minha cabeça tava, na estratosfera, diminuiu o meu reflexo). Tentei jogar pro lado, mas mesmo assim bati no fundo de um Fiesta preto lindo, novinho, sem placa ainda. A mulher desceu e tão logo viu o estrago, começou a chorar.

Liguei o pisca alerta, desci do meu carro cheio de desculpas (não tinha justificativa, foi distração mesmo) e comecei a consolar a pobre mulher, que tinha retirado o carro zero há três dias da concessionária e já tinha se envolvido na segunda colisão.

- Fique assim, não, minha senhora, vamos resolver, calma...

- Calma o quê, menino? Olha pra isso... De um lado e de outro, agora! O rapaz bateu ontem aqui, e agora vem você...

- Nossa! Sério? Que azar, gente? - ela me olhou, danada, e eu coloquei a mão na boca - desculpa! Não quis dizer isso. Ó, veja o meu caso: bati esse carro duas vezes no dia em que eu peguei, pense aí! - ela arregalou o olho - não! Não pense que eu sou barbeiro nem nada, depois dessa estreia, essa foi a terceira batida.... Aliás, não. A quarta. Não, a quinta, na verdade...

- Eu mereço, ô meu Deus...

- Ai, esquece. Vamo tentar resolver, meu cunhado tem uma oficina que é muito boa, eu vou ligar pra ele aqui...

Perdi um bom pedaço da tarde tentando contatar o Maurício, namorado da Mirelle, acertei com ele a visita da mulher e avisei que os custos seriam comigo. E consolar a coitada.

Liguei pra a Valquíria pra remarcar a reunião pro outro dia, já eram quase cinco e eu ainda estava ali. Nem queria ter compromisso no outro dia de manhã, afinal, vai que, né? Mas, não teve jeito.



Cheguei em Camaçari por volta de sete da noite. Já tinha ligação do Murilo no celular. Liguei de volta.

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