Capítulo 01

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Quatro anos depois

L

eonel Blanchard

   O vento bate em minha face como um pano leve acetinado, vai refrescando minha pele, transmitindo-me liberdade e poder. É como se eu tivesse no controle de tudo (apesar de não estar). Mas sei que isso está acontecendo porque me encontro no último andar da minha casa — não mais no bairro Leblon. Faz um ano que me mudei de lá. Eu estava cansado daquela casa. Ela era bem escondida das outras e a Esther vivia reclamando do lugar.
   Bebo mais um gole de vinho enquanto observo o movimento das pessoas se divertindo na praia, quando sinto mãos pequenas e geladas percorrerem meu abdômen lentamente. Meu corpo rapidamente se enrijece com o toque da minha esposa.
— Bom dia, amor — murmura ela ao deixar rastros de beijos carinhosos do meu ombro até o pescoço. Ela me envolve em seus braços e respira o ar da varanda junto comigo.
— O café da manhã está na mesa.
— Obrigado.
   Sorrio.
— Não vai comer?
— Vou, meu amor.
— Espero por você.
   Ela sai lentamente de perto de mim e me manda beijos antes de fechar a porta.
   Ultimamente minha esposa tem estado presente em casa, deixado o trabalho para ficar comigo, fazendo minhas vontades e me alegrando com suas gracinhas.
   Cada dia que passa estou mais apaixonado por ela.
   Ela é mais que meu porto-seguro. Esther é minha vida, parte de mim que não pode faltar em hipótese alguma.
   Mas ela tem estado sozinha quando viajo para fora do Brasil. Já a deixei choramingando um dia no telefone, pedindo para eu voltar.
   Tânia, a governanta da casa onde eu morava, faleceu há cinco meses por imprudência de um taxista no trânsito. Eles estavam voltando de uma comunidade perto do Rio quando o filho da puta que dirigia o carro ultrapassou uma caminhote e deu de cara com um ônibus. Tânia morreu na hora, já o homem ainda havia chegado vivo no hospital, mas também veio à hóbito.
   Eu chorei tanto, tanto... Tânia era minha segunda mãe. Me aturava em tudo. Sabia dos meus sofrimentos, dos tormentos que eu passava. E aí vem um filho da puta e... Ah! É melhor deixar isso pra lá.
   Minha raiva cessa logo depois que saio da varanda e desço para tomar meu café. Tomo meu lugar na mesa em silêncio, enquanto Esther fala ao celular com alguém que não sei.
— Ah! Eu estou bem, mamãe. Sei... Não se preocupe, ok? Já estou acostumada, sempre é assim.
— E vai deixar?
   Ouço a voz da Sra. Winkler. Vai deixar o quê?...
— Mamãe, não se meta nisso. Já disse que estou bem assim. Ele sempre reserva um tempo para mim. Ah, pelo amor de Deus!
   Ela bota as mãos na cabeça, frustrada. Em seguida, estende o aparelho celular na minha direção. Franzo as sobrancelhas, terminando de beber o café.
— Minha mãe.
— O que ela quer comigo?
— Conversar.
   Hum... Mulher chata. Sempre que liga é para reclamar de mim. Pego o telefone e pigarreio antes de falar.
— Bom-dia, Angeliquê.
— Bom-dia, Leonel. Podemos conversar?
— Claro. Do que quer falar?
— Da segurança da minha filha e da sua ausência em casa.
   Ela não deveria interferir no meu casamento. Será que ela não pensou nisso?
Angeliquê, eu trabalho, ok? Sou médico e estou sempre ocupado, porém com a sua filha não. Sei da minha obrigação como marido, e pode acreditar que ela está mais que segura.
— Você tem certeza, Leonel?
— Absoluta.
— Posso confiar em você?
— Vá em frente.
— Ok, Leonel. Depois conversamos e pessoalmente.
— Ótimo. Até mais.
   Desligo o celular e largo o aparelho sobre a mesa.
— Me desculpe, não sabia que ela ligaria para falar isso.
— E nem eu. Fique tranquila, meu amor. É coisa de mãe.
— Ela é muito exagerada.
   Como um pedaço de pão com manteiga e bebo mais café com a cara fechada. Esther percebe.
— O que foi?
— Nada — respondo em seco.
   Por que estou estressado?
Leonel — ela toca meu braço.
— Diga.
— Posso confessar uma coisa?
— Hum.
— Gostaria de ter um filho.
   Meu corpo enrijece. Filho?
— Filho?
— É.
   Ah, meu Deus. O pedido que eu menos queria que ela fizesse nesses quatro anos de casado.
Leo?
— Esther, eu... não sei o que dizer. Está muito cedo.
— Não, não está.
   Olho para ela, confuso.
— Estamos casados há quatro anos e nunca engravidei de novo, esperando sua resposta.
— Esther — censuro.
— Agora eu quero falar. Eu não acho que é cedo, pelo contrário, estamos numa fase ótima para ter um bebê. Você trabalha muito e me deixa sozinha em casa, se eu tiver um filho, iria me distrair um pouco.
— E de te deixar ocupada a ponto de não ter tempo pra mim? Esquece essa história — ordeno usando um tom áspero na voz. Ela arqueia a sobrancelha.
— Qual é o seu problema?
— Eu não quero ter um filho agora.
— Por quê?
— Porque eu não quero, oras! Dá pra esquecer isso, ou vamos ter que discutir? Você escolhe.
   Droga! Não estou conseguindo controlar a minha agressividade.
   Esther se levanta da cadeira, me encarando com frieza. Desde que nos casamos, ela tem demonstrado paciência, mas agora parece que não. E eu entendo.
— Estúpido!
   Ela sai da cozinha, pisando firme.
— Volte aqui, Esther — chamo em voz alta, mas ela não responde, continua correndo pela escada.
   Que merda! Deve ser coisa da mãe dela, a Esther não havia tocado nesse assunto há muito tempo.
   Passo as mãos na cabeça, pensando em como conversar com a minha esposa. E agora? Eu não sei nada de filhos. Ah! Talvez o meu pai possa me ajudar.
   Mando uma mensagem de texto para ele, enquanto tomo soco de maracujá natural.

Pai, preciso da sua ajuda. Podemos nos encontrar hoje à noite, no restaurante de sempre?
   *Leonel

   Três minutos depois, ele retorna a mensagem.

Claro, meu filho. Oito e meia está bom para você?
   *Bryan

Está ótimo. Obrigado. Até mais!
   *Leonel

Nosso estúpido casamento - AmostraOnde histórias criam vida. Descubra agora