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21:49 PM

   Engulo a bebida com um pouco de raiva de mim mesmo. Eu deveria estar no Brasil com a Esther, mais estou aqui, ajudando outras pessoas. Enquanto não descobrir a peste que alastra nas comunidades mais carentes de Londres, não vou poder ir embora.
   Ao ouvir a música de Adam Naas chamada Fading Away, lembro-me da minha mulher. Pego o celular e vou direto à galeria de fotos. Há muitas dela lá. Clico na primeira pasta e uma das fotos toma a tela inteira do aparelho. Esther em cima do cavalo da fazenda do meu tio, onde passamos duas semanas juntos. Ela usava o estilo countryn e eu também. Nos divertimos muito naquele dia.
— Eu te amo tanto, Esther. Sou louco por você, e você aumenta ainda mais a minha loucura quando me desaponta. Por que faz isso? Eu só quero a sua bendita segurança. Não me perdoaria se acontecesse alguma coisa com você, meu amor.
   Fico por um bom tempo admirando quase todas as fotos da minha mulher no celular. São inúmeras fotografias, mais dela do que minhas.
— Leonel?
   Ergo a cabeça e olho para a mulher que está na minha frente, com uma criança ao lado. Olho para as duas um pouco espantado, tentando recordar quem é a mãe da menininha que sorri para mim.
— Ah, não faça essa cara! Vai me dizer que estou feia? — diz a mulher alegremente.
— Desculpe, senhorita, mas eu...
— Não está me reconhecendo?
— Não.
— Bruna, sua ex-colega de escola.
— Ah, Bruna! — rio, levantando-me da cadeira. Dou um demorado e delicioso abraço na mulher que me fez rir muito na adolescência. Bruna era a garota mais extrovertida da sala. Todos os meus colegas gostavam da companhia dela.
— Hum... Como isso é bom — ela me aperta, eu também faço o mesmo.
— Quanto tempo, colega. Senti sua falta, viu? Não pense que esqueci das suas gracinhas.
— Eu sei que não.
   Sinto mãos pequenas tocarem a minha calça. Desvencilho-me de Bruna e olho para baixo.
— Oi, coisinha.
    Bruna revira os olhos, rindo.
— Ela tem nome, tá?
— E qual é o nome dela?
   Toco os cabelos sedosos da garota.
— Eloar.
— Ainda conseguiu lembrar desse nome esquisito?
— Claro.
— Ela é sua filha?
— Sim.
   A menina ergue os bracinhos, indicando que quer ser carregada pela mãe.
— O tempo corre — comento, admirando as duas morenas com um sorriso estampado na cara.
— É.
— Está com muita pressa?
— Não.
— Então, me faça companhia, por favor.
   Puxo a cadeira delicadamente para ela se sentar. Em seguida, volto ao meu lugar.
— Você mudou bastante, colega.
   Ela me examina.
— Mudei em que?
— Em tudo. Era magricelo, agora virou um homem robusto, grande, bonito, atraente e importante, além de ter conquistado um império de medicina no Rio de Janeiro, a Clínica Blanchard.
   Sorrio um pouco sem jeito com os elogios dela.
— Obrigado.
— Quantos anos tem? Lembro que tinha 14.
— Tenho 32 anos. E você?
— Vinte e seis.
— Casada?
— Casadíssima.
   Ela mostra a aliança.
— Também me casei.
— Aposto que se casou com uma patricinha.
— Nada de patricinha. Casei com uma garota especial, diferente, que tem princípios e valores.
   Bruna põe a mão na boca, embasbacada.
— Nossa, que romântico. Quem é ela?
— Conhece Athos Winkler?
— Muito. Espere aí... Meu Deus, com a filha dele? Esther?
— Sim.
— Que bom, Leo. Fico feliz. Acompanhei a trajetória dessa garota. Ela sofreu muito quando soube que era adotada.
— Pois é.
   Penso na minha mulher chorando quando me contava o quanto gostaria de conhecer os pais biológicos.
— Gosta dela?
— Eu amo ela, Bruna.
— Que lindo. Parabéns.
— Obrigado.
   Dou um sorrisinho, em seguida sirvo vinho em uma taça e entrego a Bruna. A filha dela me olha por um instante.
— Sua filha parece ser astuta.
— Eu diria sapeca.
   Bebemos o vinho.
— Tem filhos?
   A pergunta me congela. Pigarreio.
— Não.
— Quatro anos de casado e ainda não tem filhos? Que estranho.
— Por enquanto, não quero.
— Continua não gostando de crianças?
— Eu não sei lidar com elas, Bruna. Crianças sabem berrar e encher a paciência dos outros.
   Bruna cai na gargalhada.
— Nisso você não mudou.
   Ela ri de novo, dessa vez acompanho.

Nosso estúpido casamento - AmostraOnde histórias criam vida. Descubra agora