Capítulo 14

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   Ao pisar no bar, corro os olhos para os cantos do ambiente. Há muita gente bebendo no local e ouvindo música lenta. Observo tudo. Quando vejo ele, meu coração dispara de pena, de dor, de amor, de decepção. Tudo misturado, me deixando confusa, enjoada. O que ele está fazendo? O que, meu Deus? Esse bêbado, com a cabeça deitada na mesa do balcão, não parece o médico e o marido importante que tenho. Onde foi parar a sua disciplina?
   Me aproximo dele, segurando-me para não chorar.
   Suas roupas amarrotadas, os cabelos embaraçados, a garrafa de uísque seca e o copo de vidro do lado.
— Leonel — toco o seu ombro com delicadeza.
   Ele levanta a cabeça e olha para trás. Sorri com aquela boca dos infernos que me desconserta e levanta.
— Vamos embora.
— Amor. Espera aí, senta aqui comigo.
Reviro os olhos, irritada. Odeio conversar com bêbados.
— Vamos embora ou eu deixo você aqui e não volto mais — encaro ele, séria.
   Ele levanta as mãos como se fosse bandido.
— Hum... Ok, ok.
— Veio de que até aqui? — pergunto já dando as costas para o balcão e saindo do bar com Leonel do lado.
— Táxi. Meu carro ficou no hotel.
   Ele tropeça na calçada.
— Opa.
  Sou obrigada a servir de apoio para ele. Coloco o braço dele em cima do meu ombro e ajudo-o a entrar no carro do meu pai - uma Land Hover preta.
   Entro no veículo, em seguida dou a partida e saio do lugar, pegando a avenida em direção ao centro da cidade, com o som do carro ligado bem baixinho, num clima favorável sob a voz de Alina Baraz, cantando Unfold.
— Pare o carro — ordena Leonel com aquele tom rústico que eu detesto.
Continuo dirigindo.
— Não dá pra parar aqui.
— Ali — aponta para uma vaga em frente uma sorveteria.
— Pra que?
— Quero conversar com você.
— No hotel a gente conversa.
Faço o contorno com o carro.
— Por favor.
Suspiro fundo, impaciente. Paro no bendito local.
— Diga.
   Ficamos olho no olho, em silêncio. Apenas a música no ar faz a diferença dentro do carro.
  Reparo no semblante do meu marido, na roupa que está usando: uma calça jeans escura, uma camiseta preta. O sapato não dá pra notar, pois os pés estão embutidos no fundo do assoalho do carro. Os cabelos despenteados, a barba sem fazer. Está acabado, bêbado, os olhos vermelhos e a boca ressecada. Mesmo dessa forma ele não deixa de ser atraente. Não deixa de me encantar. Mas eu não posso mais...
— Eu te amo.
— Cala a boca. Eu não quero mais ouvir isso de você. Chega.
   Como dói mentir assim só pra parecer mais imbatível.
Mentirosa. Eu sei que você me ama — sorri como um safado vagabundo.
— Era isso que queria?
Agora ele fica sério, olhando-me.
— Não.
   Engulo minha saliva, pois a situação está ficando cada vez mais complexa dentro do carro.
— Eu quero que volte pra nossa casa.
— Não.
— Esther, amor, olha...
— Não. Ficarei em Porto Alegre. Meu pai não está bem.
— Volta — ele se aproxima no banco e pega minha cabeça, fazendo-me olhar para ele. — Por favor, eu não suporto ter que ficar naquela casa sem você. É ruim. É entediante, meu amor. Só você dá luz aquela casa. Pelo amor de Deus, Esther. Eu te amo.
— Então por que não aceitar o nosso filho? Se me ama por que não faz esse sacrifício?
— Eu só não quero dividir você. Sei como tudo funciona depois que um bebê aparece. E olha só o que está acontecendo com a gente, Esther? Deveríamos estar bem, mas você foi se descuidar.
— Eu não me arrependo. Eu sempre quis um filho.
— Então fez de propósito? É isso? — ele me olha, espantando, até frustrado.
— Fiz. Não tomei mais os remédios.
   Agora ele está branco, tira as mãos da minha cabeça e volta a mesma posição no banco, olhando para a frente.
— Você estragou tudo.
— Não estraguei. Eu sabia o que viria depois.
— Esther...
— Chega, Leonel. Agora você já sabe. Vamos?
   Ligo o carro, dou a partida e saio, pegando a estrada novamente.

Nosso estúpido casamento - AmostraOnde histórias criam vida. Descubra agora