3.7K 309 44
                                    

Consegui dormir à noite inteira. Foi um sono bom, não vi a hora que desmaiei, muito menos o momento que Leonel me levou para a cama. Apaguei de vez.
Acordada e sã, relembro de tudo que pacei ontem, da agressão de Leonel, da gritaria, dos insultos, da ira com a família e comigo.
Você não pode deixar isso ir além, Esther. Decida, decida .
Entro no banheiro, me olho por um instante, passando a mão na barriga, e vejo o que eu não esperava: o meu lábio inferior um pouquinho inchado e vermelho, horrível. Fico alguns minutos me olhando.
Depois do banho em água morna, coloco um vestidinho pijama lilás, calço minhas pantufas brancas e desço para tomar café, ainda com o rosto de quem acabou de acordar.
Leonel está à mesa, mexendo em seu computador caro enquanto toma café. A empregada lavando louça logo atrás. Quase voltei para o quarto, mas decidi enfrentá-lo, caso vier descutir novamente comigo. Já tenho a resposta para ele, está bem gravada na minha mente e dessa vez não vou vacilar. Chega de ser maltratada!
- Bom dia, Sra. Blanchard - diz a emprega cujo nome até hoje não sei. Também não me interessa saber, ela é abusada e egocêntrica. Venho percebendo isso há alguns dias.
- Bom dia.
Não sorrio, muito menos dou votos de confiança para ela manter conversa comigo. Essa mulher é abusada demais. Sinto falta de Tânia, a antiga governanta do meu marido, era como uma mãe para ele. Mas, infelizmente, ela morreu. E o que sobrou? Essa falsiane que fica de olho no que é meu. Sem contar da filha dela, que é outra mais abusada ainda.
Observo meu marido, está sério como pedra, ereto. Os cotovelos sobre a mesa, as mãos entrelaçadas à frente da boca, analisando atentamente algo no computador, com aquela postura de doutor arrogante, autoritário. Por que ele tem que ser assim? Por que não consegue ser menos grosseiro?
Romance e amorzinho daqui e dali não combinam com o seu marido, baby. Ele é bruto e lhe carinho porque te ama e porque você é esposa dele. Do mais, ele mandaria tudo para o inferno com suas grosserias.
Leonel não me olhou até agora, está zangado, mal humorado, péssimo fisicamente. Todos os dias eu penteavam o cabelo dele, passava suas roupas, que agora encontram-se amarrotadas, ajeitava a gravata, escolhia o terno para ele trabalhar... Hoje de manhã não foi assim. Leonel dormiu em outro quarto, se arrumou sozinho e nem vi, nem ouvi ele lá dentro porque eu estava dormindo.
Arrisco um diálogo pacífico com ele.
- Eu apenas quero ficar em paz com você. Aceite o nosso filho, por favor - murmuro baixinho.
- Não!- grita, batendo na mesa ao se levantar.
Levo um grande susto. O que é isso? Parece até que tem um demônio dentro dele.
- Tire esse... Olha, o feto ainda está pequena como um grão de feijão, eu sei as práticas de um aborto, desde os mais simples aos complexos. Eu preparo pra você. Por favor, livre-se disso - fala com mais calma.
Eu não acredito! Não acredito! Ele está me pedindo um aborto?
- Meu Deus! Que homem é esse?
Lágrimas de decepção surgem pelo meu rosto. Aborto? Nunca pensei que Leonel fosse apaiar essa maldade, que mulheres que não querem seus filhos fazem.
- A gente não precisa estar brigando desse jeito, Esther - murmura implorando, arrependido.
Choro sem conseguir olhar para o meu marido. Sem acreditar que realmente ele pediu para matar o próprio filho.
- Com quem eu me casei?
Olho a postura dele. A postura que eu detesto: a arrogância, a autoridade, o machismo e a proeza de ser podre de rico. Tudo está impregnado nele. A riqueza é a sua marca, a ambição de querer mais está ali. E eu odeio isso!
- Esther, eu quero apenas resolver isso pra você, meu amor. Essa gravidez não vai ser bom.
- Para mim, vai ser ótimo. Ter um bebê na idade que tenho é bem melhor do que quando eu tinha 18 anos. Agora, eu posso criar um filho. Não moro com os meus pais, moro com o meu marido.
- Eu não quero essa criança, pelo amor de Deus!
Ele começa a se irritar falando grosso novamente.
- Faça um aborto, eu preparo tudo pra você.
Quase dou uma risada em sua frente da cena ridícula que está fazendo. Ele praticamente está implorando para eu aceitar a proposta.
Me aproximo dele indignada.
- Você não é um verdadeiro médico.
Ele me observa com o olhar fugazmente, o rosto vermelho de raiva e frustração.
Crio coragem e digo:
- Você é frouxo.
Minhas palavras foi como uma bomba, uma força elétrica contra ele.
Leonel, devagar como um leão acuando sua presa, dá passos lentos até mim, eu retrocedo à medida que ele se apróxima.
- Se ousar a tocar em mim pra machucar de novo, eu juro que chamo a polícia.
Ele para, zangado.
Ficamos alguns segundos encarando um ao outro, até que eu digo:
- Se você não quer o seu próprio filho, o que me resta é renunciar você para cuidar dessa criança. Por mais que eu te ame, você não está me bem fazendo, e eu não quero isso. Vou arrumar minhas coisas e ir embora daqui, Leonel. Não venhe atrás de mim.
Giro o corpo e subo devagar a escada, deixando Leonel para trás totalmente sem ação, perplexo e com raiva, muita raiva.
Ao entrar para o quarto e fechar, ouço ele gritar bem alto e também ouço vidros sendo quebrados. Passo a tranca na porta, amedrontada. O que ele está fazendo?

Nosso estúpido casamento - AmostraOnde histórias criam vida. Descubra agora