Capítulo 6

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Se os tempos fossem outros, e as vontades mais pesadas e audazes, talvez Elliot haveria pedido, e feito, com que a conversa durasse tempo suficiente para não voltar a casa e pernoitar na habitação de Aurora no quarto de hóspedes. No entanto ambos tinham perfeita noção que tal ação seria de extrema falta de decoro. Aurora era uma mulher solteira, que vivia sozinha. De maneira alguma poderia um homem pernoitar naquela casa. Por muito que a casa ficasse no meio de nenhures alguém veria o cavalo de Elliot ali ainda de manhã, ou alguém o veria a fazer o caminho inverso, ou saberiam que não havia regressado. Por isso tal hipótese não foi se quer ponderada por nenhum dos dois, ainda que as vontades de ambos os fizessem, nos seus recônditos pensamentos, agir sem reserva alguma, e com completo desrespeito pelas regras básicas do decoro.

- Lamento que já seja hora de me retirar Aurora. Já passam das dez e o caminho para minha casa ainda é relativamente longo. Não quero de modo algum estar a por sobre si problemas infundados em boatos ou coisa alguma. Penso que entende perfeitamente...ainda que desejasse do fundo da alma continuar esta conversa.

- Sim eu compreendo Senhor, eu mesma ia sugerir que talvez já seriam horas de voltar a casa. Não minto que me sinto um pouco insegura em que vá sozinho a cavalo, mas não possuo carruagem ou cocheiro para que o possam levar.

- Nem eu estaria de modo algum a pensar em tal coisa! Se eu mesmo tomei a decisão de vir sozinho a cavalo é porque já contava com a mesma viagem de regresso. Não tem porque se preocupar Aurora. Mas penso que as regras básicas da boa educação nos mandam retribuir as visitas. Eu já a visitei por duas vezes, embora a primeira tenha sido não planeada, penso que esta segunda pode ficar como um convite para que faça o mesmo. Apareça quando quiser para jantar. Quanto á viagem de regresso não se preocupe, possuo de cocheiros e carruagens que podem perfeitamente assegurar um transporte seguro até aqui.

- Agradeço verdadeiramente o seu convite. Mas não sei até que ponto seria viável de o aceitar. Por muito que possamos conversar como iguais, sabemos que não o somos. Não sei se seria de bom grado, até para aqueles que trabalham para si, ter-me a mim como convidada.

- Esteja descansada quanto a isso. Nenhum dos empregados verá algum mal. E quanto a outras pessoas que poderia ficar apreensiva por encontrar, não precisa de recear tal situação. Garanto-lhe que no dia em que me der a honra de a receber, mais ninguém a não ser eu e aqueles que me servem, se encontrarão na casa.

- Não lhe posso dar uma resposta afirmativa neste preciso momento. Preso sem dúvida a sua companhia, não quero que pense que é por isso que me encontro em contesta, mas deixe-me refletir um pouco sobre qual será então o melhor dia para tal acontecimento.

- Fico estasiado apenas por ponderar o meu convite – dizendo isto Elliot dirigiu-se á mesinha de escrever onde havia papel, uma pena e tinta e escreveu o seu endereço. – anotei aqui o meu endereço para me poder escrever sobre aquilo que decidir. E espero receber prontamente uma carta sua com uma resposta positiva.

Aurora respondeu com um sorriso envergonhado, sabendo perfeitamente que ela própria não queria mais nada se não dar essa mesma resposta, mas por culpa das suas posições sociais, do seu nascimento inferior, via-se obrigada a repensar sobre a prudência e o bom senso de tal situação.

Elliot despediu-se de Aurora beijando-lhe a mão, com a certeza que, por qualquer meio haveria de a encontrar brevemente. Depois de montar o seu corcel, seguiu a galope em direção a casa, e em menos de trinta minutos já estava dentro dos portões da mansão.

Nessa noite, nem um nem outro dormiram propriamente bem ou propriamente mal. Pode se dizer que adormeceram, mas não imediatamente. Não posso dizer que existia entre eles algum sentimento nobre próximo do amor. Não neste momento. Tanto um como outro eram produtos de uma sociedade que se industrializava e que caminhava para aquilo que hoje conhecemos como homem moderno. Viviam-se tempos da revolução industrial, e também de revolução de mentalidades. No entanto a quebra de preconceitos socias demoraria bem mais a ser revolucionada. Para além disso ambos possuíam de demasiada sensatez para despojarem sentimentalismos frívolos sem terem realmente certeza da sua veracidade. Mas encontravam no outro aquilo que a si próprio lhes faltava. Aurora tinha uma jovialidade inabalável e força e saúde que Elliot nunca havia experimentado. Este segundo possuía as posses, o nascimento, e a influencia no bem comum da sociedade, que Aurora nunca poderia vir a ter, ainda por cima tratando-se de uma mulher. E por estas alegues não viam no outro uma fonte de inveja, mas sim de aprendizagem e de admiração. Partilhavam de ideologias semelhantes, e Elliot ainda que bem mais conhecedor e culto que Aurora, não usava da sua cultura como um meio de opressão mas sim de difusão de conhecimento. Tentado ensinar a todos aqueles que queriam aprender.

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