No rés-do-chão da casa, a notícia foi sabida pelo incomensurável choro de Aurora assim que a mesma se viu imersa naquele silêncio tão avassalador. Chorou durante horas seguidas por cima do corpo já sem vida de Elliot. Durante esse tempo Adelia havia entrado, como se para ter certeza do que de facto sucedera. Pousou os seus lábios na tez de Elliot beijando-a, e saiu do quarto para se retirar, para também ela própria chorar até ao alvorecer do novo dia.
No dia seguinte, apareceram aos montes pessoas e mais pessoas para darem as suas condolências a Aurora e para saberem quando seria o Funeral.
Aurora não recebeu a maioria, estava centrada na sua dor que não sentia empatia pelas dos outros. Sabia que os outros também sofriam, mas como ninguém sofria como ela, a sua dor não era compreensível e não era partilhável. A única pessoa com quem ainda encontrava alento era com Adelia que já possuía na sua alma mais um dilacerar, mais uma flor que se ia cedo de mais.
*
O funeral realizara-se três dias depois da morte, para que a família mais longínqua pudesse aparecer, ainda que nada partilhassem além de um nome. A igreja onde a cerimónia se realizou fora numa pequena igreja rural, a mesma onde Elliot e Aurora se haviam casado. Não havia muito espaço no seu interior. Estava completamente cheia de gente que também viera chorar a sua dor, e no exterior um outro mar de gente existia acompanhando a cerimónia.
Elliot tinha amado e sido amado numa intensidade que compensava o seu breve tempo de vida.
Os olhos de Aurora permaneceram como fontes durante todo o ritual, muitos que a viram nos dias anteriores indagavam como eles ainda tinham água para jorrar.
A coroa de flores que adornava a cerimónia teria, porém, sido toda construída por ela. Era uma maravilhosa coroa branca, com lírios, rosas, e flores do campo. No momento em que se dava por terminado o enterro e Aurora analisou uma vez mais aqueles lírios, lembrou-se. Lembrou-se daquele dia, do dia em que o conhecera e que havia adornado o seu cabelo com essas mesmas flores. Lembrar-se-ia para sempre.
Aurora viveu o seu luto numa intensidade brutal que ia além do uso de vestidos negros e do abraçar das roupas de Elliot. Por muito que Robert tentasse vigiá-la mantê-la saudável, era impossível. Aurora passava dias quase sem comer, só conseguia chorar. E não conseguia dormir, dizia que a única altura em que dormia era quando ao fim de três ou quatro dias de total despertar desmaiava de cansaço e dormia por fim.
*
Os meses foram passando, e com isso o outono e o inverno terminaram dando lugar de novo à primavera. Robert e Judith, e Adelia, pensaram se isso não seria algo que a pudesse também despertar. Se continuasse assim, não demoraria muito a haver outro funeral naquela família.
Enquanto os três se preocupavam na sala no estado a que Aurora havia chegado, um homem de cabelos brancos veio bater á porta. Disse tratar-se de um jardineiro particular que Elliot havia contactado antes de falecer com um serviço algo "especial". Limitou-se apenas a dizer que estava tudo tratado, como se algum daqueles elementos soubesse daquilo de que falava, e entregou uma carta nas mãos de Adelia dizendo que devia ser entregue á viúva.
Quando Adelia olhou para carta reconheceu imediatamente a caligráfica de Elliot, sabendo, portanto, que aquela carta havia sido deixada por ele ainda em vida. Correu o quanto a sua idade permitia ao encontro de Aurora que se deitava na cama, sem vida, olhando o mesmo livro pela quinta vez sem o conseguir ler.
- Querida! Chegou aqui um visitante.... Um jardineiro diz ele. Ele... ele atendeu um pedido de Elliot antes... antes dele falecer. E Elliot entregara-lhe esta carta, para ser entregue a si agora.
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Um campo de Lírios Brancos
Historical FictionO tempo é a era vitoriana, mais precisamente 1857, em Inglaterra. Elliot é um jovem herdeiro de uma família fidalga, recomendado pelos seus bons modos, pelas suas virtudes, pelas suas crenças humanitárias, e sua indulgência. No entanto, padece de...