Quando Aurora voltou para o quarto, Adelia ainda lá estava vigiando o sono de Elliot e fazendo as anotações. Adelia denotava uma expressão realmente carregada, estava cansada, já não era jovem, e sentia-se terrivelmente mal por ver o seu amo, o seu menino, tão novo ainda, naquela condição. Se pudesse, trocaria de lugar com ele na hora. Aurora nutria um carinho muito grande pela senhora, que era sem dúvida reciproco. Abraçou-a com carinho mal entrou no cómodo e a mais velha deixou-se envolver naquele gesto. Adelia estava sentada numa poltrona ao lado de Elliot e Aurora contornou a cama para se colocar no seu lado da cama, onde se sentou muito devagar para não acordar Elliot.
- Notou alguma coisa de errado enquanto não estive aqui Adelia? – Aurora inquiriu com um olhar carregado que pousava na face pálida e serena de Elliot.
- Não minha querida, desde que entrei no quarto tem estado a dormir pacificamente... - Adelia notou os olhos de Aurora, a vermelhidão era algo que não dava para esconder, mas sentiu que não devia dizer nada. Ambas sabiam o que tinha ido fazer fora do quarto, e não haveria motivo para se falar sobre isso.
- Ainda bem, graças a Deus, ele precisa de descansar...
- Sim Aurora, completamente. Mas nós também – Adelia esticou-se da sua posição agarrando a mão de Aurora – temos que manter a nossa firmeza o melhor possível, e não o preocupar com coisas desnecessárias. Porém, nenhuma de nós é feita de ferro. Vamos cuidar dele, e de nós, o melhor possível...
Aurora sorriu delicadamente para Adelia. Sabia que ela estava certa, e para manter Elliot bem não se poderia descuidar consigo própria.
*
O médico regressou ao final da tarde, e presou em saber que Elliot ainda se encontrava a dormir profundamente. Certamente que o que lhe tinha dado tinha ajudado. Por isso o seu exame foi algo cauteloso para não o acordar e relativamente breve. Após recolher as anotações e ter a certeza que estava tudo normal, dentro dos possíveis, conversou um pouco com as duas senhoras. Afinal de contas, uma doença nunca é só de uma só pessoa. É algo que afeta as outras que a rodeiam e que distribuí angústia e dor por todos.
*
Os dias que se seguiram foram de muita preocupação, ainda era tudo muito incerto e Aurora e Adelia viviam numa inquietação constante, aflitas que Elliot tivesse outra crise como a anterior tão seguida á última, não sabiam se haveriam de rezar ou de culpar Deus por aquela sina maldita. Para precaver outro episódio como o anterior, o médico aconselhou a que ele continuasse praticamente sedado e estivesse quase sempre a dormir, pois seria a forma de sobrecarregar o coração o menos possível. Durante esse tempo, Aurora passou horas a fio a ver Elliot dormir. Elliot assemelhava-se-lhe a um anjo, um anjo de cabelo negro, e durante esse tempo, fez um monte retratos dele, para juntar aos outros tantos que já tinha.
Após essa primeira semana, Raphael deu o aval positivo para que ele pudesse ter horas regulares de sono e de despertar, mas que continuasse sem sair da cama. Aurora não podia ter ficado mais contente com aquela melhoria, por vezes, esquecia-se das palavras que o médico havia dito sobre a impossibilidade de Elliot recuperar a vida que tinha no ano anterior, nessas alturas estava de bem com Deus.
Aurora arranjava-se sempre minimamente, mesmo ficando em casa, no quarto, com o seu esposo. Apesar de guardar em si um pesar e uma dor angustiante que lhe dilacerava a génese da alma, gostava de mostrar todo o seu esplendor de esposa feliz. Cuidava de Elliot não por se sentir nessa obrigação, mas porque realmente o desejava fazer, e então, fazia-o sempre da melhor maneira possível.
No final da segunda semana de repouso absoluto, Elliot já tinha autorização do médico para se levantar e andar pela casa com moderação. Sair para o exterior era completamente proibido, mas como a casa tinha um ambiente bastante quente não haveria problema, e certamente não lhe faria bem permanecer de cama mais do que o necessário. Mesmo assim tinha que estar sempre acompanhado, não podiam correr o risco de ele se esforçar para fazer algo, ou de se sentir mal e não ter ninguém que desse conta de imediato. Uma das situações mais desconfortáveis dessa vigia constante, era o simples ato de tomar banho. Não que não tivesse noutras alturas gostado que a sua esposa interferisse nesse momento, mas com outra conotação carnal que não aquela. Na primeira semana, Aurora tinha tratado do banho com ele quase inconsciente, estava demasiado medicado na altura para agora se lembrar da situação. Mas agora que estava melhor, e plenamente consciente, achava a situação constrangedora, e sentia-se muito embaraçado pela sua situação, embora não tivesse culpa alguma dela. Aurora entendeu o desconforto do seu marido, e após entrarem dentro do cómodo do banho, verificou se a lareira estava bem acesa, e se água estava quente para depois lhe falar.
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Um campo de Lírios Brancos
Ficção HistóricaO tempo é a era vitoriana, mais precisamente 1857, em Inglaterra. Elliot é um jovem herdeiro de uma família fidalga, recomendado pelos seus bons modos, pelas suas virtudes, pelas suas crenças humanitárias, e sua indulgência. No entanto, padece de...