Capítulo 2

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O sol já se punha agora, e Elliot permanecia deitado nos lençóis da cama de uma mulher que ele só agora começava a conhecer. O seu corpo encontrava-se algo dorido e ressentido, mas já livre para movimentos, fazendo da sua estadia naquela cama meramente uma escolha como qualquer outra e não uma necessidade. Mas a sua mente estava em paz e em plenitude com o mundo. Não é que tivessem falado de todas as coisas com que tinham afinidade. Trocaram opiniões, partilharam algumas visões do mundo por entre meias palavras de quem ainda não se conhece, e depois Aurora retornou aos seus a fazeres, deixando o jovem senhor descansar por mais um bocado para que pudesse retornar a casa em segurança sem mais nenhum incidente. Elliot não se alongou sobre os detalhes da sua sensibilidade ou no que consistia a sua doença, não tinha apreso algum em detalhar aos outros as suas fraquezas. Sabemos que padecia de um coração fraco, que batia mais rápido do que o dos outros homens, em muitas alturas irregular e frenético, acompanhado de uma certa dificuldade em respirar, mas a medicina de meados do século dezanove também não permitia ter uma informação detalhada sobre o seu caso. Mas quando era questionado sobre esse assunto limitava-se a dizer que tinha uma saúde frágil. E Aurora nada mais lhe perguntou porque notava o desconforto do pobre rapaz em falar sobre isso.

Antes que a luminosidade deixasse o reino de Deus, Elliot levantou-se da cama, e tornou a vestir o casaco e a calçar as botas que haviam sido retiradas pela mulher que lá habitava. Abriu a porta da divisão, e desceu para o andar de baixo. Encontrou-a debruçada sobre uma mesa esculpindo alguns objetos de madeira.

- Não sei como recompensá-la por tamanha amabilidade. Infelizmente tenho que regressar antes que os meus empregados fiquem preocupados com a minha demora. Se for a um passo largo com um pouco de trote, mesmo indo pelo caminho mais curto, ainda demorarei cerca de meia hora a chegar, por isso devo partir já antes que escureça. Não só quero agradecê-la por ter cuidado de um estranho como eu, mas também por me ter proporcionado momentos de conversa muito agradáveis, evitando perguntas e assuntos aos quais eu não lhe queria dar respostas, ou não me queria alongar. Reparei que vende flores. Sei que não vai aceitar dinheiro como pagamento pela sua bondade e disponibilidade, mas pelo menos permita-me que compre os dois lírios pousados sobre a sua mesa.

Os olhos terrosos de Aurora pousaram nos cinza azulado da figura que se apresentava de frente para si. Ela puxou um sorriso tímido mas honesto e estendeu as flores nas mãos do jovem. No quase toque dos seus membros notava-se agora mais do que antes a diferença de tonalidade da pele de um para outro. As mãos cálidas de Elliot tinham quase a mesma tonalidade de branco que os lírios, ao passo que Aurora parecia ter sido beijada pela terra e pelo sol.

- Não me leve a mal Senhor, mas não tenho mais lírios para vender. Estes são os mesmo que adornavam o meu cabelo ainda há pouco. Já tem o caule quase todo cortado, tem dobras nas pétalas puras e o cheiro deles já se misturou com o meu. Por isso não lhe posso cobrar qualquer quantia por flores que já foram usadas. Eu entrego-as a si de boa e livre vontade, mas elas pertencem-me, e não poderão pertencer a qualquer outro. As suas marcas foram dadas por mim, pelo meu corpo e uso, e de nenhum outro, por isso não lhe posso vender flores que não serão suas, pois já tem demasiadas marcas da minha presença nelas.

- Só as torna mais únicas, e uma oferenda ainda mais intima e singular. Sinto-me lisonjeado por tamanha luz e bondade vinda de si. Irei guardá-las, e quando estiverem a morrer irei guardá-las á mesma, como quem guarda um gesto de carinho.

Antes de abandonar o humilde casebre de madeira rodeado de florzinhas que pareciam habitadas por fadas e duendes, o jovem desdobrou-se em mil agradecimentos uma vez mais. Mas Aurora permanecia quase muda sorrindo pois não prestava auxilio com segundas intenções, nem esperava de Elliot nada mais que vê-lo em pé e pronto para montar o seu cavalo de novo, regressando a casa em segurança.

Um campo de Lírios BrancosOnde histórias criam vida. Descubra agora