Capítulo 23

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Os dias seguintes ao ocorrido foram passados com alguma estranheza e reserva. Não se podia dizer que estavam iguais ao que eram, nada fica exatamente igual depois de um evento deste tipo. Apenas dois dias depois de ser violentada, Aurora foi capaz de contar o que se passara a Elliot, com toda a lógica e calma de quem já interiorizou a situação. Embora este já adivinhasse tal relato, não pode deixar de sentir a alma dilacerada com a dor de sua esposa, que era sua também, sentia o mesmo medo e pânico que ela, pela promessa do agressor em voltar a vê-la, e dessa vez, finalizar aquilo que começara.

Enganam-se aqueles que tem como hediondo e traumático apenas o ato em si do estupro. Mesmo que isso não tivesse chegado a acontecer, Aurora tinha de facto ficado muito abalada pela experiência que tinha passado. Nas primeiras noites teve pesadelos com a anunciação do segundo encontro prometido por Edward, e durante os mesmos, berrava o mais que podia, mas da sua boca não saia som algum, continuava a berrar dentro do seu próprio sonho, já sabendo que estava a sonhar, a espera que por algum milagre imitisse tal som na vida real e que Elliot, que dormia ao seu lado, a acordasse. Chegou de facto a acontecer, mas não se pode dizer que teve sucesso de todas as vezes. Elliot, não passou noites melhores certamente. Nos seus sonhos tinha visões de Aurora a ser violentada por Edward, e por muito que corresse nunca os conseguia alcançar, nunca a conseguia salvar. Acordava muito suado como se estivesse a arder em febre e com o coração a bater rapidamente como se tivesse de facto estado a correr. E depois, passava o resto da noite em claro, olhando para a expressão consternada de Aurora que dormia inquieta ao seu lado.

Mas tudo isso se foi amenizando, os sonhos foram desaparecendo, e ao fim de umas semanas, embora nenhum dos dois se tivesse esquecido do ocorrido, já eram capazes de fazer as suas vidas normalmente e de terem um sono mais tranquilo. As marcas no corpo de Aurora tinham desaparecido quase completamente, já saiam de novo os dois para cidade, e a jovem tinha começado o cultivo que planeara nos jardins. Aurora voltou também a deixar que Elliot a tocasse sem reserva alguma, retomando assim as relações entres os dois.

Faziam-no em todo o lado dentro das propriedades da casa, no quarto, na sala de banho, nos idílicos jardins, nos estábulos, nas varandas da parte traseira... E mesmo fora das delimitações das propriedades chegaram algumas vezes a pousar os seus corpos nus nas pradarias. Havia um certo prazer em fazê-lo dessa forma, sentiam-se mais perto da natureza animal que humana, e dessa forma, não haveria censura moral nenhuma que os pudesse atormentar. Apesar das naturezas puras e sinceras de ambos, não era isso que os inibia, de maneira alguma, de se entregarem aos prazeres físicos da carne do corpo um do outro.

*

Cerca de dois meses se passaram desde que Aurora e Elliot se haviam casado, e dentro dos seus amigos e conhecidos, familiares de presente proximidade, colegas de trabalho e negócios, apenas algumas pessoas não se haviam dirigido até á mansão para parabenizar o jovem casal. Uma dessas pessoas era a própria mãe de Robert, tia de Elliot, que, talvez por respeito aos sentimentos que o seu próprio filho tinha sentido por Aurora, e revogado por sua imposição e vontade, achou melhor não aparecer. Mandou uma missiva muito bem escrita e organizada dias depois da cerimónia, e guardou a presença pessoal para outra altura. Já os outros seus dois filhos e respectivas esposas já tinham tratado de todas as diligências que o decoro familiar ordenava.

Depois da morte do marido, Lydia foi viver para a residência Ashmore no condado vizinho onde viviam o seu outro irmão e família, tal como uma tia que ainda era viva e sempre fora solteira. Dada a distância entre esta residência e a de Elliot, ela podia usar isso como uma desculpa credível para a sua demora em aparecer. Elliot não conhecia muito desta parte da família, esta tia avó sempre vivera nessa mansão, muito mais próxima do meio citadino vizinho, era demasiado obcecada com a corte e as novas modas, e orgulhosa da sua castidade. O seu tio, mais novo que seu pai dois anos, rapidamente se mudara para lá quando completou dezasseis anos. Acabou por casar uma burguesa rica e conceber três ou quatro herdeiros, primos de Elliot, que este apenas vira umas poucas de vezes quando eram pequenos. O seu pai, sendo o filho homem mais velho, herdara a mansão onde hoje vivia com Aurora, mas os habitantes da outra, não presando as relações e incriminando aquela união conjugal, não tiveram interesse nenhum em se encontrarem com Elliot e como a nova Senhora Ashmore. Por muitas vezes Elliot nem se recordava dessa parte da família. Quanto a Lydia, mãe de Robert, fazia-o apenas pelas razões citadas, não era contra aquele matrimónio, mas sentia-se culpada de por influências do falecido marido também ter privado o seu filho daquela felicidade, em prol de outra que ela sabia de primeira mão como inferior.

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