Adelia entrou no quarto de seu amo para dar de frente com aquela cena terna, afetuosa, que acontecia entre os dois. Aurora ainda estava a dormir ao lado de Elliot. E Elliot permanecia com a mão da jovem sobre o seu peito enquanto a segurava, no entanto, este já não se encontrava a dormir. Estava recostado num travesseiro, tendo posto o outro do lado de Aurora antes desta se deitar. Mirava-a como quem olha aquilo que preza, com ternura e suavidade. Os seus olhos não deixavam de exprimir aquilo que o seu leve sorriso exprimia. Com a outra mão brincava com uma mexa de cabelos soltos de Aurora que havia saído do apanhado. E mentalmente, não tentou achar em Deus uma resposta para a sua debilidade física, mas sim agradecer a enorme bênção de ter tal anjo consigo. Ainda que se dissesse de não crente, em certas alturas, deixava-se ficar na dúvida, e até por vezes, ser o crente mais crédulo.
- Ainda bem que já acordou querido, nem imagina o peso que me sai de cima em vê-lo nessa tranquilidade. - Adelia falou denunciando a sua presença.
- Não me tinha apercebido que tinha entrado Adelia. – Elliot tirou os olhos da jovem para olhar a governanta. – Espero que tenha descansado o suficiente.
- Sim menino...- A governanta mirou a pequena sorrindo. - Coitadinha, passou a noite toda em claro para cuidar de si.
- Acho que o mesmo posso dizer de si. Quando acordei, Aurora confidenciou-me que também passou toda noite e a manhã sem descansar. Não consigo parar de me sentir culpado. Nem tenho nenhuma maneira digna de agradecer.
- Acho que já estava na altura de parar de o fazer. Quando eu também fiquei enferma por outras vezes, o menino nunca descansou até me ver bem. É assim que a vida é. Ajudámo-nos uns aos outros naquilo que podemos, e alguns ajudam até naquilo que não podem.
Elliot sorriu em concordância e voltou uma vez mais a fitar o rosto da morena ao seu lado.
- Devo confessar-lhe meu amo, que acho que escolheu muito bem. – Elliot desviou rapidamente o olhar para voltar a encarar Adelia. – Ela é realmente uma rapariga dotada de uma beleza exótica. Não se pode dizer que tem o mesmo tipo de beleza das damas finas. Certamente não o tem, e ainda bem. A rudeza e a firmeza dos seus trejeitos e modos dão-lhe credibilidade, e certeza. Sentimos que podemos confiar. E tem ao mesmo tempo uma aura dotada de uma serenidade e uma paz encantadora.
Elliot enrubesceu, mas não deixou de contestar a mais velha. – Concordo em absoluto, querida Adelia. Nunca outra se me assemelhou como ela. Sinto que vive mais do que os outros, e talvez o meu desespero de arrecadar um pouco dessa vida, me tenha levado a cultivar uma inclinação por ela. Mas certamente não foi isso que me fez voltar a ela, e que me fez ficar, e para além de manter as minhas afeições, permitir que elas se fossem tornando mais coesas e nobres.
- A caso lhe confessou tais sentimentos?
- Não se pode dizer que sim, mas também não se pode dizer que não. Certamente não os desconhece, mas nunca os proferi da maneira correta. Porque sabe, nem desta maneira acredito que esteja a dizer tudo aquilo que sinto. As palavras não conseguem igualar os sentimentos. Ganha-se na materialização, mas perde-se na essência.
- Ah... compreendo meu querido, mas certamente encontrará o momento correto para realmente lhe confessar todas essas coisas. Fico extremamente agradecida por finalmente encontrar alguém que o faça um pouco menos só. Eu sei que não se importa, mas também sei a falta que continua a fazer ter o carinho de um outro ser humano. – Antes que começasse a chorar de alegria, ou de algo mais, Adelia saiu apressadamente do quarto dizendo que ia ordenar o jantar.
Ante esta reação, Elliot não pode deixar de pensar se não teria induzido Adelia em erro. Teria ela percebido que ele dissera que se pretendia unir no matrimónio com Aurora? Certamente não foi isso ele que pretendeu, mas agora que pensava sobre isso, com Aurora ali ao seu lado, ainda com o vestido branco bordado com flores, a ideia de um matrimónio não o atormentava como outrora aconteceu.
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Um campo de Lírios Brancos
Historical FictionO tempo é a era vitoriana, mais precisamente 1857, em Inglaterra. Elliot é um jovem herdeiro de uma família fidalga, recomendado pelos seus bons modos, pelas suas virtudes, pelas suas crenças humanitárias, e sua indulgência. No entanto, padece de...